Quando a casa é escola, a escola é casa

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Já andávamos na quarta classe, seríamos uns dez alunos nesta classe na aldeia perdida na serra de Nogueira. Tínhamos um certo estatuto, pelo menos na escolha dos jogos e dos locais onde realizá-los… bem como os desafios entre os rapazes do bairro de baixo e o de cima, tendo como assistência as raparigas.

Certo dia o Jorge, a quem carinhosamente chamavam Pilatos… chamou os rapazes da quarta classe, seguindo-se a ordem: “amanhã faço anos… vamos ter aqui uma cigarrada”.

Sempre pontual, lá apareceu o Pilatos com um maço de 3 vintes, marca não disponível aos bolsos de todos. Alguns de nós já exercitávamos a caixa torácica enquanto ele os retirava com cuidado, distribuindo a cada colega o seu quinhão, qual lobo que segura a presa. “Ó Pilatos, são do teu tio?” – Perguntou o Domingos. O Chefe quase que o fulminava com o olhar… mesmo assim teve direito a um, mas não se livrou da reprimenda: “abre o bico, Pintassilgo, e vais ver a gaiola!”.

Estávamos nós na sala de aula, a fumar… qual esplanada…

“Olhem que vem ali a professora” – gritaram-nos as raparigas, mais aflitas do que nós… sensibilidade feminina. Ordem do general: “apaguem os cigarros e caluda”.

Mal a professora entrou exclamou: “cheira-me a tabaco… quem é que esteve a fumar?”

Cada um tentava ler o livro que muitas vezes estava fechado.

“Ai ninguém se acusa?! Então os rapazes da quarta todos aqui à frente”.

Revista às tropas. Dirigindo-se a uma das nossas colegas, ordenou, como no tempo da Pide:

– Tu, vê se algum dos teus colegas tem cigarros nos bolsos.

O Pilatos tinha guardado a prisca, na orelha, debaixo das trunfas compridas que não cortava há muito e haviam de cair às mãos do Armindo, barbeiro da aldeia, que era pago no fim do ano com alqueires de centeio. O Pintassilgo meteu-a, à pressa, nos socos que eram do irmão e lhe ficavam grandes… eu, grande parvo… meti a prisca no bolso das calças que por sinal estava roto. Enquanto estávamos na parada, à frente das colegas da mesma classe, caiu-me aos pés. Terminou a revista. Já nem sei quanta “bolacha” levou cada um, pois a bênção foi igual para todos.

Ainda hoje me lembro que na altura não havia telemóveis, mas quando cheguei a casa levei mais da minha mãe, para que meu pai não soubesse, pois alguma linguaruda já lhe tinha dado a novidade.

Ensina-se educando e educa-se ensinando.

Quando vou ao cemitério, onde repousa a D. Maria, ainda me sinto seu aluno. Paz à sua alma.

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