A RAIVA QUE QUEIMA

Uma das regras do jornalismo é não noticiar casos de suicídio. Uma regra que se destina, teoricamente, a salvar vidas ao evitar mimetismos, repetições de atos desesperados. Mas quando o suicídio é um ato de revolta, uma opção política, devemos pensar antes de meter a notícia no caixote do lixo.

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No passado dia 25 de fevereiro, o soldado norte-americano Aaron Bushnell, de 25 anos, ateou fogo ao seu próprio corpo em protesto contra o genocídio em Gaza. Fardado, ele foi até a embaixada de Israel em Washington, onde gravou um vídeo em que explica que não queria continuar “cúmplice do genocídio”.

Não noticiar isto é boicotar o protesto deste homem e favorecer os que executam um genocídio sem remorso.

Antes de cair, Aaron gritou “Palestina livre”.

No YouTube ou no Facebook o vídeo seria imediatamente bloqueado, pelas opções políticas destas redes sociais, mas no Telegram pode ser visto. Cliquem aqui:

No vídeo há o ‘pormenor’ patético de um guarda do edifício da embaixada israelita ter avançado de arma na mão e ter permanecido nessa postura de ataque a um corpo que ardia no chão. Não tentou ajudar a apagar o fogo. Outro ‘pormenor’ interessante é o nome do homem que se imolou. Aaron Bushnell é um nome que ressoa a judeu.

Aaron morreu, mas o seu nome tornou-se numa arma política presente em todas as manifestações de apoio à Palestina, realizadas desde esse dia. Do Japão ao Iémen, de Gaza à América onde, em Nova Iorque, outros militares, veteranos de outras guerras, prestaram homenagem a Aaron Bushnell queimando fardas e gritando “remenber Aaron Bushnell, he is not alone”.

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O EXEMPLO DO MONGE BUDISTA

Outros atos idênticos foram tratados com critério jornalístico. Por exemplo, no dia 11 de junho de 1963, em Saigão, no Vietname, o monge budista Thích Quảng Ðức morreu após atear fogo a si mesmo. Protestava contra as políticas do governo do Presidente Ngo Dinh Diem.

Naquela época, o Vietname estava em guerra civil. O Presidente Diem, apoiado pelos EUA, tentava transformar o Vietname do Sul, apoiava o catolicismo e promovia perseguição contra os budistas.

O ato extremo de protesto, foi registado pelo fotógrafo norte-americano Malcolm Browne. A foto valeu a Browne um Pulitzer, o mais prestigiado prémio do jornalismo norte-americano. Venceu ainda o prémio do World Press Photo, nesse ano. A imagem chocou, mas contribuiu para a opinião pública mundial tomar conhecimento sobre o que se passava no Vietname.

Prémio World Press Photo de 1963

O monge tornou-se num mártir. Veio a guerra com a participação dos EUA. A fotografia de Browne tornou-se numa das imagens mais emblemáticas do século XX. Foi capa do primeiro disco da banda Rage Against The Machine, de 1992.

Aaron Bushnell não fez diferente. Mas o mundo mudou e o jornalismo não é o mesmo.

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