Em primeiro lugar, permita-se-me que explique: diz-se «a autoestrada» e não «o autoestrada», como, por vezes, se ouve. Depois importa lembrar que, como todas as grandes obras, também esta foi alvo de muitas críticas, que o Governo da altura procurou, a todo o custo, silenciar. Não é despropositado recordar que, nesses tempos, os jornais eram «visados pela Comissão de Censura», essa informação tinha de vir bem escarrapachada na respectiva ficha técnica e os artigos eram sujeitos a «exame prévio», podendo ser aprovados, aprovados parcialmente ou cortados.

Sirva-nos de exemplo o artigo «À espera… da Auto-estrada», apresentado à Censura, a 2-2-1974, pelo Jornal da Costa do Sol, de Cascais. Depois de se haver largamente debatido se a solução era via rápida ou autoestrada, a questão primordial que se punha aos habitantes era saber por onde é que seria o seu traçado. Por isso, tendo-se sabido, por notícia saída no jornal O Século que o traçado já fora aprovado pela Junta Autónoma de Estradas, o organismo que superintendia, na altura, à estruturação viária, sublinhava-se: «E ninguém, além da J. A. E. e da Brisa sabe qual é».

Por isso, perguntava-se (anote-se: ‘perguntava-se’, não se reclamava): «Para quê tanto “segredo”? […] «Uma obra de importância vital para a Costa do Sol não devia ser, em todos os seus pormenores, do conhecimento dos habitantes locais?».
Pois mesmo assim, em tom de pergunta delicada (os jornalistas muníamo-nos sempre de cautelas…), não passou, como foi proibida também a reflexão seguinte em que se explicava que o sigilo só conduzia a duas situações: «a formação de boatos e o desencadear de feroz especulação com os terrenos da nossa área».
Acrescentava-se, por conseguinte: «Supomos que se impõe urgentemente dar conhecimento público do traçado completo […] para que todos saibamos com o que podemos contar». O jornalista tivera cuidado e escrevera ‘supomos’, assim como quem não quer a coisa; mas quando, de seguida, pôs a palavra todos em itálico e se referiu à «meia dúzia de privilegiados a quem – pelo menos a alguns – se possibilite, desse modo, o desencadear da especulação», aí saltou a tampa do mui digno censor, que cortou tudo e até a afirmação de que «a Costa do Sol é dos seus habitantes e não um eventual campo de «jogos» mais rendosos do que os da Bolsa». Proceda-se como se fez na área de Sines (acrescentava-se) onde, oportunamente, se proibiram as transacções e se «deu conhecimento público dos projectos». Esta comparação também não foi do agrado do censor – e cortou!

Sim, amigo, eu sei que, chegado a este ponto, até lhe apeteceria fazer comparações com a actualidade: a localização do novo aeroporto, o traçado da linha do comboio de alta velocidade… Mas, compreende: hoje vivemos em democracia e… não há que ter essas preocupações, pois não?

Pois não…
“Hoje não há que ter essas preocupações…”?
O autor deste texto, que me dá o privilégio de ser meu Amigo, parece estar a fazer uma provocaçãozinha só para ver as reacções…Ele bem sabe que hoje acontece a mesma coisa: há falta de informação às populações sobre projectos que as afectam, há censuras (mal) disfarçadas e até a necessidade de autocensura.
Quem escreve tem muitas vezes que rodear questões, apresentar alternativas para visionamento de informação audiovisual, “esconder” detalhes para que sejam vistos, porque a sorte é que eles (detalhes encapuzados) não escapam às pessoas inteligentes.
Eu podia ter escrito esse fantástico texto censurado, de tanto concordar com ele, só não o escreveria tão bem. O autor (que eu presumo conhecer) é dos meus. Claro que as populações directamente lesadas por decisões à socapa, têm o direito de perguntar, de saber e até de exigir retractação.
Os governantes nacionais e locais não mandam no povo, são mandatados para o servir e o património, arquitectónico ou natural, não lhes pertence, é um património a gerir de modo satisfatório para todos usufruírem, não só os privilegiados.
Aproveito para dizer que no meu bairro, onde se podia respirar, e sem que os moradores fossem informados, a Câmara decidiu colocar a concurso um espaço pequeno donde se via o mar, para implantação de uma floresta de patacas, perdão… de mais 52 fogos de vária tipologia, numa área total de construção de 12945,79 m2. Imagine-se a volumetria!
Habitação, comércio, serviços, ou transformação de um bairro arejado numa prisão irrespirável.
PDM alterado? Que importa! A Câmara que cobra a mais pesada contribuição autárquica do país, acha que pode, sem dar satisfações aos moradores. E tem um slogan para identificar a sua democrática conduta: “tudo começa nas pessoas”…