Ainda mal tinha havido tempo para ter sido lido, já os adversários políticos vinham a terreiro dizer mal do que lá está escrito. Por exemplo, o líder da Iniciativa Liberal (IL) aproveitou uma reunião no Sindicato Independente dos Médicos (SIM) para tentar fazer boa figura, não só perante aqueles médicos como, também, perante o grupo social que vota na direita.
Rocha disse que o PS apresenta medidas “gravosas e intoleráveis” para a saúde, porque os socialistas querem estudar a hipótese de os médicos compensarem o Estado no caso de emigrarem ou integrarem o setor privado.

“Não é obrigando as pessoas a ficar, quando já não querem ficar. É criando as condições para que haja motivação para os médicos fazerem o seu trabalho de forma digna e em condições,” ouvimos Rui Rocha dizer na televisão.
Lendo o programa eleitoral, não vem lá nada sobre sequestro de médicos ou grilhetas nos pés para ficarem nos hospitais públicos. O que vem escrito é que se vai ponderar (isto é, estudar, discutir, negociar) sobre uma indemnização a pagar ao Estado por se ter investido na formação profissional de um médico que prefere ir trabalhar para o estrangeiro ou para um hospital privado.
A questão é interessante e muitos portugueses já terão pensado nela. Um curso de medicina custa ao Estado muitos milhares de euros e se o médico, depois de formado, não trabalhar nos hospitais públicos por um tempo minimamente aceitável, andámos todos a pagar para depois o médico ir trabalhar só para os mais ricos.

É possível que alguns médicos não gostem da ideia de indemnizar o Estado, talvez os industriais do setor e acionistas dos grupos privados da Saúde prefiram ter médicos em que não investiram um cêntimo na formação, mas também é possível que a grande maioria da população concorde com a ideia.
Em muitos países europeus existem financiamentos públicos para estudos universitários que os alunos, depois de formados, têm de devolver num prazo previamente estipulado. Ou seja, passarão os primeiros oito, nove ou dez anos de trabalho a descontar uma boa parte do salário para devolver o investimento feito neles. É assim no Reino Unido, por exemplo. Só em Portugal é que o Estado faz figura de rico, de tio perdulário, que tudo oferece e nada pede em troca.
O CUSTO DE UM CURSO DE MEDICINA
Na Universidade Católica, a única instituição privada que leciona cursos de medicina, cada estudante paga 16.600 euros de propina por ano. O curso tem 6 anos de duração, são cerca de 100 mil euros para se ser doutor. O montante reflete o custo de formação de um aluno de medicina, que não é diferente na Universidade Católica de uma universidade pública. A diferença é que, no ensino público, o valor é coberto pelo Orçamento do Estado, enquanto que, na Católica, é suportado pelas famílias dos alunos.
Nas universidades públicas, a propina máxima das licenciaturas e mestrados integrados é de 697 euros anuais. Por isto, a proposta do PS é bastante razoável e a decisão de obrigar os meninos a recompensar o que neles o Estado investiu, se for adoptada, só peca por tardia.
O problema do Partido Socialista, em matérias sensíveis como esta, pois alteram de certa forma o paradigma da formação médica em Portugal, é trazer estas medidas numa campanha eleitoral. Ainda por cima numa altura em que estão acossados por todos os lados.
Claro, os lobistas que estão para a direita, como as bananas e os amendoins estão para o macaco, movimentam-se.
O PS ainda não percebeu que o PSD tem dois ex bastonários, o actual Presidente da Câmara Municipal de Coimbra e o candidato a deputado Miguel Guimarães, integrados no PSD?
Levaria o bom senso, isto na minha modesta opinião, que esse assunto fosse debatido à posteriori, fora da guerrilha eleitoral e com algum bom senso à mistura. Ainda por cima depois da guerra que se instalou nos últimos meses entre a tutela da saúde e os médicos.
Não sei se esta medida traz eleitores ao PS. Temo que não. Até pelo facto de os outros partidos aproveitarem esta ideia para fazer demagogia.
Claro, eu já estou a imaginar o PSD a criticar nesta campanha Pedro Nuno Santos, tal como o fez Rui Rocha, até porque o PSD tem um antigo bastonário nas suas listas, e depois das eleições, serão eles próprios, caso as vençam, a aplicar a medida, atirando o ónus para cima dos socialistas.
Aquilo que se esperaria nos socialistas nesta altura, é que não inventassem nada de novo, que não seja consensual.
Se derem ênfase ao custo por aluno no curso de medicina, acho que toda a gente vai perceber que a sugestão é razoável. Na Força Aérea, por exemplo, o militar acabado de se formar em piloto não pode sair para a aviação civil antes de decorrerem anos de trabalho nas FA. Ninguém contesta a justeza do impedimento, excepto os próprios pilotos, claro, que gostariam de fazer o curso de borla na tropa e depois irem trabalhar para a aviação civil sem demoras.