É uma ninfa

A primeira pedra é sempre importante, mesmo que seja uma pedra antiga partida. A partir da primeira pedra, podemos reconstruir todo o edifício, o bairro, a cidade. Este é o nosso contributo.

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1945

Muito nos congratulamos, obviamente, por ter dado a conhecer o Cu da Canoa, de Moimenta da Beira.

Em primeiro ligar, porque, como se teve oportunidade de indicar em comentário, houve logo quem viesse explicar o enigma: «Canoa» era o nome por que era conhecida uma anã, casada, que vivia em Moimenta da Beira. Daí a alcunha. Os anões constituem sempre motivo de ternura e são, por vezes, de alguma brincadeira maldosa por parte dos seus vizinhos, mas não só não passam despercebidos como se tornam verdadeiros ‘personagens’ na terra. Todos conhecemos «O Corcunda de Notre Dame» – que era… anão!

Em relação à anã de Moimenta, porventura, até, um dia, alguém lhe chamou «anoa» e, por deformação, viria a aparecer Canoa, o nome por que passou a ser conhecida.

Recordar-se-á que, no final da nossa nota, escrevemos:

«E quiçá algum estudioso dessa nobre arte escultórica consiga dar-lhe uma orientação, a fim de melhor se entender se é mesmo dessa parte do corpo que temos ali um pormenor!…».

Atendeu ao nosso apelo Gustavo Monteiro de Almeida, que, no dia 28, comentou:

«Foi com muita curiosidade que li o presente artigo e, quanto à parte do corpo a que corresponderá o fragmento da estátua, apenas posso confirmar que me parece, realmente, ser o fundo das costas de uma senhora, sendo a parte oposta as pernas, uma delas coberta por tecido, vendo-se logo acima o umbigo. Seria a representação de alguma ninfa? Será fragmento de uma estátua, não do séc. XVI, mas bem mais antiga, quiçá romana e pertencente a um ninfeu de uma antiga villa romana que possa ter existido em “Monumenta” e que, no séc. XVI, foi descoberta e reaproveitada para se fazer a cerca do convento?».

Fragmento escultórico guardado na Junta de Freguesia de Moimenta da Beira

Teve a gentileza – que muito agradecemos – de inclusive propor a reconstituição do que poderia ter sido a escultura completa.

Tendo a estátua da ninfa, procuremos um ninfeu

Dava-se o nome de ninfeu, na época romana, a um local consagrado às Ninfas, divindades aquáticas; ou seja, no âmbito da arquitectura de sumptuosas vivendas com jardim, constituía como que «uma fonte monumental erigida contra um muro articulado com nichos, frequentemente decorados com colunas e estatuária». O modelo, aliás, ganhou grande popularidade pela Europa, nos palácios do século XVIII. Temos disso testemunho no Palácio de Queluz e na Quinta Real de Caxias, fonte essa que se reproduz.

Cascata da Quinta Real de Caxias

A proposta de Gustavo Almeida reveste-se, pois, da maior verosimilhança, inclusive atendendo à hipótese de a existência de eventual fonte, ornada de figuras mitológicas desnudadas, não ter caído nas boas graças dos devotos construtores do beneditino convento. Por outro lado, a ideia de o topónimo Moimenta ter provindo da palavra latina monumenta, que significaria lugar de monumentos antigos, mais vem atestar quanto a proposta pode, na verdade, ser deveras aceitável.

ninfeu de Vila Quintili, Roma

(artigo em co-autoria com José Carlos Santos)

5 COMENTÁRIOS

  1. É essa, meu caro Carlos, a nossa tarefa: tudo esquadrinhar, a tudo estar atento. Porventura, um dia, se encontrarão os vestígios da ‘villa’ romana donde este fragmento poderá ter vindo. Pedras antigas servem para as construções posteriores e serão olhares perspicazes, em colaboração com os proprietários e as entidades locais, que poderão identificar e salvaguardar esses testemunhos. Na verdade, este acaba por ser um caso paradigmático de actuação: agarra-se numa tradição local, aparentemente sem interesse de maior; publica-se (e aqui o apoio da imprensa é fundamental) e a divulgação surte os desejados efeitos: a ‘pedra’ é salvaguardada pela Junta de Freguesia e há um estudioso que a interpreta!

  2. De: Maria Teresa Azevedo
    2 de fevereiro de 2024 23:07
    1. Uma ninfa! Não podia deixar de ler! A religiosidade grega, sobretudo do séc. IV a. C., tende a valorizar esta espécie de culto nos arredores de Atenas, em pleno campo. Eram frequentes as grutas e os nichos consagrados às ninfas, que permitiam aos seus cultores ligação mais forte com o divino do que as manifestações religiosas oficiais.As ninfas proporcionavam uma forma de êxtase especial, que não era alienação e sim uma forma superior de conhecimento e apuramento dos sentidos, que o isolamento e o contacto com a natureza (favorecia. No Fedro de Platão – situado num dia de calor intenso, fora das muralhas de Atenas, que Sócrates raramente transpunha – fala-se nas ninfas que habitam aqueles lugares e que se apoderam do espírito dos seus seguidores – os ninfoleptas. Entre as diversas ninfas, fala-se aí em particular de Pharmakeia, ninfa hoje famosa graças à surto inspirativo que fez Derrida escrever “La Pharmacie de Platon” ..
    2. Desconhecia a existência em Portugal de ninfeus e, sobretudo, de ninfoleptas, que parece ter sido o caso do mandante da estátua (ou do resto dela …) de Moimenta da Beira! Corcunda ou não, ela aí está a estimular os nossos discursos e uma nova capacidade de apreciação de “cús” de ninfas, quando passamos do pedaço “chato” que se conserva, à beleza da estátua restituída que o seu amigo Gustavo de Almeida nos proporcionou!

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