TESOUROS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

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fotomontagem

Quando a Rainha Santa Isabel fez a sua peregrinação de Lisboa a Santiago de Compostela, no ano de 1325, recebeu do Arcebispo de Compostela um bordão de peregrina! Ainda existe, e em estado impecável, guardado no Tesouro da Rainha Santa, em Coimbra. Visto ser uma peça única e de grande peso histórico dei-me ao trabalho de o estudar.

A barra octogonal horizontal é esculpida de uma pedra muito invulgar, que não se encontra, em grandes dimensões. Normalmente, apenas existe como pequenas pedras polidas, incluídas em joias da Ásia, nas quais é frequente terem-se também usado pedras lápis lazuli. Como estas costumam ser do Afeganistão, negociavam-se na rota da seda, aparecendo em uso desde a China até ao Império Romano.

Analisando a qualidade do bordão, cheguei à conclusão de que a vara, em tubo de prata que mostra a Vieira de Peregrino, é a componente mais recente. Tanto pode ser do século XIV como uma substituição do século XVII, aquando da abertura do seu sarcófago.

Parece-me que o bordão apenas teve prata e pedra na parte superior. A vara original pode perfeitamente ter sido toda em madeira e por se ter desfeito desde o enterro até ao momento da reabertura do sarcófago, terá sido substituída por uma vara em prata.

As cabeças de leão nos terminais da pedra são extraordinárias e nitidamente do período românico. A sua origem ainda não me foi possível determinar por ausência de peças idênticas com as quais as possa comparar. Assim sendo, coloco a hipótese de se tratar originalmente de um bordão que terá pertencido a uma personalidade destacada, do mais alto nível social, que a recebeu no Oriente e que se fez a caminho de Santiago de Compostela, onde a ofereceu ao tesouro da catedral.

Sei que quando o Papa João Paulo II foi a Santiago de Compostela, fizeram uma réplica toda em marfim (sem metais), que lhe ofereceram e que se encontra no Museu do Vaticano.

Da Rainha Santa Isabel tenho um relicário em prata de alta qualidade. Na frente mostra a Rainha Santa com as suas rosas na mão. No verso tem uma tampa com o seu brasão. Foi um de seis feitos no século XVII para as seis rosas supostamente “encontradas incorruptas” quando se abriu o sarcófago. É uma peça linda, mas apenas de interesse secundário, por ser do século XVII.

Chamo a atenção de um pormenor francamente invulgar na configuração deste relicário. Debaixo do medalhão central, representa, na frente, a Rainha Santa com as suas rosas nas mãos e, no verso, a caixa que guardava a flor. Esta caixa tem uma tampa que mostra o brasão da Rainha Santa dividido ao meio. De um lado, as barras de Aragão, do outro as Armas Reais Portuguesas, que recebeu pelo casamento com nosso Rei Dom Dinis.

Na configuração da decoração da parte de frente, optou-se por juntar decoração seiscentista na sobreposição de duas cruzes. Uma com barra horizontal e vertical e a outra em posição da Cruz de Santo André. Esta mesma configuração já foi usada séculos antes pela mãe de D. Afonso Henriques, quando se intitulava “ Tarasia Regina” no seu selo rodado.

Um dia encontrei, perto de Lamego, um vale com uma capela de grande importância histórica nacional, infelizmente muito pouco conhecida. Penso chamar-se “Capela de São Pedro de Balsemão”. Possui (esculpido em pedra de Coimbra) a melhor de todas as representações de Nossa Senhora grávida (Nossa Senhora do Ó), com perto de um metro de altura.

imagem de Nossa Senhora do Ó, capela de S.Pedro de Balsemão

Na rocha da parede da entrada, tem esculpida a tomada de posse da capela pela mãe de Dom Afonso Henriques, com a mesma sobreposição da cruz cristã e da Cruz de Santo André, formando folhas de rosa imaginárias. Isto tem o significado da afirmação da pureza do sangue, algo muito precioso para Dona Teresa, visto ter sido filha do Rei de Leão, mas fora do casamento. Assim, compreendemos por que razão a mãe do nosso primeiro monarca fez tanta questão nisso, a ponto de o mandar colocar como sua assinatura numa capela importante, onde todos os anos imensos peregrinos se juntavam. Da sua meia irmã, nascida do casamento do seu pai, o Rei de Leão, apenas sabemos que casou com o Duque da Galiza, mas a história pouco mais nos conta. Nunca vi algo assinado por ela, nem tomadas de posse de fortalezas ou capelas de romaria.

Devo mencionar que os nossos soberanos desta época não sabiam ler nem escrever, deste modo, qualquer atitude que tomassem, tinha de estar rubricada pelo selo rodado e apenas quando este estava devidamente colocado em pergaminho ou pedra, se sabia que o conteúdo da mensagem era a vontade expressa do mesmo.

Tenho uma outra peça ligada a Santiago de Compostela. Data da 1ª metade do século XVIII. É um joelho de uma armadura em ferro repuxado em alto relevo, com uma grande vieira peregrina, indicando que o portador foi peregrino a Santiago de Compostela.

O nosso Dom João V (1706-1750), ficou radiante quando teve conhecimento que a sua mulher, Dona Maria Ana de Áustria, lhe deu o 1º filho. Ergueu o Convento de Mafra, como tinha prometido e foi também a Santiago de Compostela para agradecer. É perfeitamente possível que tenha levado meia dúzia de cavaleiros de guarda pessoal vestidos em armaduras ligeiras, feitas para esta ocasião. Estas bastavam ter a vieira em cada joelho e cotovelo para os indicar como guardas desta peregrinação. Nunca vi outra em parte nenhuma. A minha apareceu em Mafra e considero-a de grande interesse histórico.

1 COMENTÁRIO

  1. Agradeço a vossa sugestão de editar e publicar este escrito da minha pena acerca da nossa Rainha Santa Isabel.
    Trata-se de uma extraordinária senhora, que hoje de novo muita falta nos faz.
    O facto de ela ter chorado, um ano depois do seu casamento, porque não queria viver num país, onde muitas pessoas não cumpriam a sua palavra dada!
    Isso não condizia com sua interpretação da importância da verdade, honra e ética pessoal que ela esperava dos seus súbditos.
    Foi nosso Dom Dinis que resolveu visitar com sua jovem noiva todas as terras de Portugal para fazer de juiz.
    No decurso de um ano de visitar Portugal do Norte ao Sul, como um furacão justiceiro, mudou-se completamente esta questão.
    Foi ele mesmo que chamou as pessoas que tinham razão de queixa neste sentido. As sentenças eram dadas depois de ambas as partes terem exposto a sua versão.
    Quem prometeu e não cumpriu teve de cumprir, mesmo tendo de vender os seus bens.
    Assim foi uma jovem de tenra idade ( casou aos 12 anos em Trancoso) que endireitou o peso da palavra dada e Portugal cresceu florindo interiormente.
    Que falta tal exemplo hoje faz!
    Não é uma questão religiosa, mas uma de ética e moral pessoal, na qual se pode construir futuro e criar filhos à vontade, sabendo que eles mesmos teriam a alegria, de viver onde uma palavra dada, ou um aperto de mão, valiam mais do que contas “offshore”.
    Com meus melhores cumprimentos
    Rainer Daehnhardt

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