CASCAIS CHORA VELHO AMIGO

Acabo de saber, por sua viúva, Zélia, que Fernando de Almeida Henrique deixou o nosso convívio no passado dia 23 de Dezembro. Estava há já bastante tempo na Residência Sénior Ofélia, de Alcoitão, atendendo às dificuldades de movimentação de que passara a padecer. Tendo piorado o seu estado de fraqueza, foi internado no Hospital de Cascais, onde acabaria por falecer.

0
1482

Natural de Alvide, onde nasceu a 20 de Julho de 1936, Fernando de Almeida Henrique, depois da prestação de serviço militar em Moçambique, ingressou na Tipografia Mirandela, em Lisboa, onde então se imprimia o Jornal da Costa do Sol e aí assistiu ao nascimento do jornal Expresso, mantendo, por isso, ampla colaboração e amizade com os mentores desse jornal, nomeadamente Francisco Pinto Balsemão e Marcelo Rebelo de Sousa.

Integrara, antes, a equipa do jornal A Nossa Terra,  sob a direcção de João Martinho de Freitas, e com toda essa equipa (desavinda com o proprietário do jornal, o Dramático de Cascais) veio a fundar, a 25 de Abril de 1964, o Jornal da Costa do Sol, em que ocupou os mais diversos cargos, tanto na redacção como na direcção: subdirector, a partir de 18 de Março de 1972; director interino, a partir da edição de 21 de Julho de 1973 até 2 de Março de 1974; director, nesse ano, de 9 de Março a 1 de Junho, altura em que – como se lê na nota publicada a 25 de Maio – «por ter sido nomeado para a comissão administrativa que, interinamente, gerirá os destinos do Município do concelho de Cascais» –  apresentou o seu pedido de demissão. Não voltou, porém, a ocupar funções de direcção.

Almeida Henrique participara, de facto, em reuniões preparatórias da criação do MDP-CDE local e acompanhara de perto a formação da SEDES; daí o facto de o Tenente-Coronel Melo Machado, representante em Cascais da Junta de Salvação Nacional, o ter incluído na lista de «pessoas idóneas disponíveis e não comprometidas com o antigo regime para formar a comissão administrativa provisória». Dela fizeram parte, além de Almeida Henrique, o Dr. António Henriques de Oliveira (para exercer as funções de presidente), e os vogais: Joaquim Cabeças Padrão, José Borges Mendes, Adelino Martins de Albuquerque, Luis Ferreira Ralha, Maria Celestina Silva, António da Silva Lino e Luís Coelho de Aguiar». O Jornal da Costa do Sol de 25 de Maio de 1974, que dá a notícia, inclui a foto do início da actividade dessa Comissão; Almeida Henrique, de óculos, está sentado à esquerda do presidente da Comissão no uso da palavra.

Pela sua experiência e pelos seus amplos conhecimentos dos problemas concelhios (a que não era alheia a sua acção num órgão local de informação, Almeida Henrique acabou por ter, no seio da referida Comissão Administrativa papel de relevo, nesse conturbado período pós-revolução de Abril, chegando mesmo a exercer as funções de seu presidente interino durante curto espaço de tempo, enquanto a situação se não regularizou.

Pouco dado a mostrar-se, de Almeida Henrique só logrei encontrar outra fotografia: quando falava, como director, no almoço de confraternização dos colaboradores do Jornal da Costa do Sol, em Abril de 1974, no restaurante «Redes do Mar», na Torre.

Pertencia a uma das famílias mais notáveis de Cascais, no âmbito sobretudo da actividade comercial. Era neto, por exemplo, de António Casimiro de Almeida, um dos fundadores da Cooperativa A Luta, conhecido como «António de Alvide», justamente por daí ser oriundo. Aliás, Fernando de Almeida Henrique tinha muito orgulho em ser considerado natural da freguesia de Alcabideche e tudo o que era história dessa localidade o interessava muitíssimo. Depois da aposentação, criou, no sítio de uma das lojas da sua família, na Rua Visconde da Luz, a Garrafeira FAH.

Profundo sabedor das tradições cascalenses, não teve, porém, incentivo bastante para as dar a conhecer, limitando-se, uma vez por outra, na qualidade da membro da equipa do Jornal da Costa do Sol, a proporcionar-nos algumas das suas sempre apreciadas recordações acerca da vila que sempre procurou servir de alma e coração, não se privando de, oportunamente, verberar o que lhe parecia menos correcto, sobretudo quando feito por iniciativa de quem, vindo de fora, escamoteava a lídima tradição cascalense e as suas características urbanas, sobretudo no domínio da circulação rodoviária.

Raramente assinava o que escrevia, inclusive porque se partia do princípio que artigos não assinados eram da responsabilidade da direcção. E se, já por alturas de 1974, não deixou de intervir publicamente contra a pretensão da Autodril de urbanizar os terrenos em torno do Autódromo (aliás, a questão da posse do autódromo foi polémica que animou durante algum tempo as hostes cascalenses e as tomadas de posição camarárias), não se eximiu a explicar em pormenor quanto se prendia com o saneamento da Costa do Sol, um dos pontos quentes da administração; assim, há que revisitar, a esse propósito, os seus dois exaustivos contributos (não assinados) publicados ainda sob o antigo regime, nas edições de 17 e 24 de Junho de 1972, sob o sugestivo título «A Costa do Sol e a poluição. Do alarme desnecessário ao silêncio nefasto. Uma tentativa de esclarecimento para a melhor compreensão de ineficiência do sistema de saneamento da Costa do Sol».

À família enlutada, nomeadamente à sua viúva, Zélia, os nossos mais sentidos pêsames. Cascais perde um dos seus filhos que mais lutou pela sua identidade!

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui