Quem nos defende?

Sei que ter uma interrogação num título, jornalisticamente, não se faz. Como não há regra sem excepção, esta é a minha excepção. De facto, não sei quem nos defende.

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Na sequência de inúmeros problemas com pagamentos de electricidade e gás com a Endesa, assinei contrato com a Repsol que, alguns meses depois, me enviou uma conta superior a 1700 euros. Reclamei, explicando que não pagava as contas dos vizinhos do bairro inteiro. Afinal, os ditos 1700 resumiram-se a cerca de 40 euros. Agora, todos os meses, tenho de ligar para saber o valor da factura e as referências de multibanco, já que, naturalmente, acabei com o débito directo e, aparentemente, os e-mails da Repsol nunca encontram o meu endereço electrónico.

Tenho, pois, vivido entre reclamações incluindo para a ERSE, a entidade reguladora do sector energético que, pelo que entendo, afinal, não serve para nada.

Conformada com os telefonemas mensais para a Repsol, recebo, de repente, uma carta da E-Redes para pagar mais de 500 euros por um suposto processo n.º FF0000193348.

Este valor diria respeito a um tempo em que se verificou um problema com o contador da electricidade que exigiu a presença de um funcionário da E-Redes que, pelos vistos, desligou alguma coisa que não devia. A verdade é que a avaria tanto foi causada pela E-Redes que me pagaram todos os electrodomésticos avariados. Pelo meio, pedi a mudança do contador, em e-mails diários para as duas empresas. A Repsol dizia que a responsabilidade do atraso era da E-Redes e esta que era da outra, e assim sucessivamente. Pelos vistos, o dito processo dizia respeito a esse tempo, ainda que eu continuasse a pagar as contas todos os meses.

Depois de reclamar por telefone, dada a inexistência de formulários que funcionem na E-Redes e de um email directo, acabei por me deslocar à Rua Camilo Castelo Branco, onde reclamei.

Duas semanas depois, recebi novo e-mail, onde se diz: ‘Procedemos à correção do cálculo inicial, ficando a pagamento o valor de 88,68 Euros, correspondente à energia consumida no período de 19-03-2023 a 09-07-2023, conforme cálculos que enviamos em anexo’. E mais me mandam ‘consultar o Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, e o Regulamento n.º 814/2023 relativo à Apropriação Indevida de Energia’, da qual eu não tenho nenhuma responsabilidade.

Desta feita, reclamei junto da ERSE, questionando: quem nos defende? E se fosse uma pessoa mais idosa ou com menos instrução? Teria pagado? A quem beneficia isto? É incompetência? Má fé? E agora, será que este é mesmo o valor a pagar? De mais de 500 euros passa para cerca de 90?

Pois da ERSE, responderam-me que ‘relativamente ao processo de reclamação acima identificado, enviamos cópia da resposta da entidade reclamada. (…) De acordo com a mesma, a posição da entidade reclamada mantém-se inalterada, conforme comunicação em anexo para a qual se remete. (…) A pessoa singular a quem seja imputado o benefício por apropriação indevida de energia pode, por sua opção expressa, submeter o litígio à apreciação dos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados, inclusive no que respeita ao montante pecuniário a pagar, de acordo com o artigo 262.º do suprarreferido Decreto-Lei. Neste sentido, poderá dirigir-se a um dos centros de arbitragem de conflitos de consumo, podendo aí apresentar a sua reclamação, estando os prestadores dos serviços obrigados a aceitar a decisão que o árbitro vier a tomar’.

Para que serve a ERSE? Para que serve reclamar? E ainda estou a pensar se devo recorrer ao Tribunal Arbitral, só para perceber que cálculos foram feitos para chegarem àqueles valores, o que ainda ninguém me explicou.

E, a propósito, lembrei-me desta carta de Eça de Queirós à Companhia das Águas. Claro que são diferentes empresas, mas a essência está lá.

Ilus. e Ex.mo Senhor Carlos Pinto Coelho

digno director da Companhia das Águas e

digno membro do Partido Legitimista:

Dois factos igualmente graves e igualmente importantes, para mim, me levam a dirigir a V. Exa. estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças Carlistas sobre as tropas Republicanas, em Espanha: o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.

Abundam os Carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Exa., a responsabilidade da canalização e a do direito divino.

Se eu tiver fortuna de exacerbar até às lágrimas a justa comoção de V. Exa., que eu interponha o meu contador, Exmo. Senhor, que eu interponha nas relações de sensibilidade de V. Exa., com o Mundo externo; e que essas lágrimas benditas de industrial e de político caiam na minha bandeira!

E, pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Exa. o permite, dos nossos contratos. Em virtude do meu escrito, devidamente firmado por V. Exa., e por mim, temos nós – um para com o outro – um certo número de direitos e encargos. Eu obriguei-me, para com V. Exa., a pagar a despesa de uma encanação, e aluguer de um contador e o preço da água que consumisse.

V. Exa. fornecia, eu pagava. Faltamos, evidentemente, à fé deste contrato; eu, se não pagar, V. Exa., se não fornecer.

Se eu não pagar, faz isto: corta-me a canalização.

Quando V. Exa. não fornecer, o que hei-de fazer, Exmo. Senhor? É evidente que para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso, no análogo àquele em que V. Exa. me cortaria a canalização, de cortar alguma coisa a V. Exa.

Oh! E hei-de cortar-lha!…

Eu não peço indemnizações pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água. Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos nem prejuízos…

Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça distribuída: – quero cortar uma coisa a V. Exa.!

Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu posso cortar a V. Exa.

Tenho a honra de ser

De V. Exa. com muita consideração

e com algumas tesouras

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