Segundo jantar em Bolama, entro no restaurante às 20h em ponto e numa mesa estão dois guineenses e uma branca – alta, loura de olhos azuis. Mais tarde vim a saber que é brasileira, paulista.
Sento-me na minha mesa, que já está preparada para mim, janto sozinha, mas nao posso deixar de ouvir a conversa deles. Ao terminar o jantar pergunto se me posso juntar à conversa. Obviamente dizem que sim e puxam de imediato uma cadeira, perguntando-me o que estou ali a fazer. Respondo que estou “só” a viajar e a conhecer Bolama e devolvo a pergunta.
Um deles diz ser dali de Bolama e presidente da cooperativa local, os outros, José Nafafé e a brasileira Carolin Ferreira dizem ter vindo do Reino Unido para uma Conferência. Pergunto, muito surpreendida, se a conferência é em Bolama – já me imaginava a assistir, qualquer que fosse o tema – mas não, a conferência seria em Bissau no final da semana. Pergunto o tema e dizem-me ser sobre cooperação universitária e pesquisas em ou sobre África, especialmente sobre a Guiné.
A conversa continua e José começa a falar sobre um fascinante personagem do sec XVII, Lourenço da Silva Mendonça. Começa então uma magnifica aula da historia.
Lourenço da Silva Mendonça era um príncipe Ndongo (da região de Pedras de Pungo e Ndongo em Angola) que teve um papel importante no movimento abolicionista. Ao contrário do que nos diz a História ensinada nas escolas, que o movimento abolicionista tem origem no Reino Unido no sec XVIII e é feito sobretudo por brancos, José, historiador guineense, advoga que os negros tiveram um papel central, que não tem sido devidamente reconhecido. José realça a relevância do “Black Atlantic Abolitionist Movement” no sec XVII, e de Lourenço da Silva Mendonça nesse movimento.
Lourenço da Silva Mendonça saiu jovem de Angola, foi para o Brasil, chegou a estar no Quilombo de Palmares. Foi depois para Portugal, estudou em Braga e em Lisboa.
E após varios anos de estudo e diligências, de reunir provas e argumentos e cartas de apresentação, após ter sido constituido Procurador Geral das “Irmandades dos Homens Pretos” em Lisboa, consegue apresentar o caso contra a escravatura no Tribunal do Vaticano, em 1684, era então Papa Inocente XI.
O caso, foi este o termo que José sempre usou, foi um marco histórico e levou à condenação da escravatura pelo Papa dois anos depois, em 1686. No caso, Lourenço da Silva Mendonça pede a abolição da escravatura com base em 4 argumentos: a escravatura ser contra as leis (1) Humana; (2) Natural; (3) Divina e (4) Civil.
Isto um século antes da Revolução Francesa, que dizem inspirar o abolicionismo e quase 150 anos antes do Parlamento Britânico ter abolido a escravatura (1833). Esta é a historia, resumida, que me foi contada em Bolama, enquanto bebiamos minis Cristal.
No fim, Carolin disse-me que se quisesse saber mais, “José escreveu um livro incrível sobre o tema”. O nome do livro, “Lourenço da Silva Mendonça and the Black Atlantic Abolitionist Movement in the 17th Century”, de José Lingna Nafafé.