O HERBICIDA GLIFOSATO, UMA HISTÓRIA SEM FIM À VISTA

A Comissão Europeia decidiu, no dia 16 de novembro, renovar por mais dez anos a aprovação do herbicida Glifosato na União Europeia (UE). Os Estados-membros falharam, uma vez mais, em alcançar um entendimento que permitiria obter uma maioria qualificada, (15 dos 27 países da UE votam contra ou a favor de uma proposta), pelo que coube ao Executivo Comunitário decidir.

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Para esta decisão, a Comissão baseou-se num relatório da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, que não identificou áreas críticas de preocupação, embora tenha apontado riscos elevados, a longo prazo, nomeadamente para os mamíferos, tendo recomendado a adoção de medidas restritivas. A Agência concluiu ainda não existir qualquer prova de que o herbicida mais utilizado no mundo é cancerígeno, para espanto da comunidade científica e contra o apelo de cerca de 291 cientistas, incluindo 104 professores, da Bélgica e dos Países Baixos, dirigido aos seus ministros para levarem em conta a ciência independente e, portanto, não avançarem com a aprovação desta substância, não levando em consideração a Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro, uma agência da Organização Mundial de Saúde (OMS) que, em 2015, considerou o Glifosato como um provável agente cancerígeno.

O Glifosato é um herbicida amplamente utilizado na agricultura, podendo ser encontrado em produtos como o conhecido produto químico de largo espectro Roundup. Na Europa, o Glifosato representa cerca de 33% do volume de herbicidas, segundo dados de 2017, e cerca de um terço da área de culturas anuais e metade da área de culturas permanentes, é sujeita à aplicação anual deste tipo de substância. Segundo os dados da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, pensando no caso português, esta é a substância ativa mais comercializada no grupo dos herbicidas e corresponde a quase 80% do volume de vendas de herbicidas em 2021. Quando comparado a outros herbicidas, o Glifosato apresenta algumas vantagens, como: baixo custo; fácil aplicação; flexibilidade de uso; amplo espectro de ação. No entanto, a controvérsia em torno da sua utilização não é nova nem consensual.

Este herbicida foi introduzido no mercado em 1974, pela empresa química Monsanto (adquirida em 2018 pela Bayer). Nessa altura, não se suspeitava que a sua utilização teria efeitos devastadores na saúde e no ambiente, conforme comprovam os diversos estudos que têm vindo a ser divulgados e que asseguram a nocividade e o elevado potencial de dano para pessoas e ambiente. A própria Bayer de alguma forma o assumiu, em 2020, ao comprometer-se a indemnizar grande parte dos milhares de pessoas que a processaram nos EUA, devido ao herbicida Glifosato, em mais de 10,9 mil milhões de dólares (9,7 mil milhões de euros), estando na base da acusação os efeitos cancerígenos associados ao herbicida. Inclusivamente alguns especialistas associaram a exposição ao Roundup ao aumento da incidência de uma série de problemas de saúde, nomeadamente, vários tipos de cancro, problemas reprodutivos, doenças neurológicas como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), perturbações endócrinas, entre outros. Além disso, a utilização do Glifosato também afetaria a biodiversidade, eliminando espécies vegetais que sustentam o ambiente natural de seres vivos cruciais para a agricultura, como os polinizadores.

Ainda assim, e face à evidência científica, a Comissão Europeia decidiu aprovar a sua utilização por mais dez anos, com, reconheça-se, algumas restrições como a exigência de que os Estados-Membros prestem especial atenção a aspetos específicos aquando da realização das avaliações de risco, que devem ser estabelecidas medidas de redução dos riscos e o aumento das obrigações, por parte dos Estados-membros, em termos de fiscalização e de verificação. Além disso a própria Comissão Europeia mencionou que se surgisse, no entretanto, alguma informação de relevo que leve à alteração da decisão, poderia intervir a qualquer momento.

No entanto o caminho não deveria ser este. Para além de ir contra um dos princípios da estratégia europeia do “do prado ao prato”, em particular, o objetivo de reduzir para metade a utilização de pesticidas e fertilizantes, bem como, a venda de agentes antimicrobianos, é imperioso procurar outros métodos que não sejam químicos. Deveria ser feito um grande investimento para reduzir a quantidade de pesticidas que utilizamos, uma aposta clara no aumento da área de cultivo biológico entre muitas outras alternativas bem mais saudáveis e sustentáveis.

Aqui, uma vez mais, os fortíssimos lóbis da agroquímica venceram e os deputados, uma vez mais, falharam na defesa da saúde das pessoas e na condenação de medidas que em nada contribuem para a salvaguarda do equilíbrio da nossa Terra. Uma história sem um fim à vista.

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