E Portugal desempenhou um papel relevante.
O Memorial, recuperação de uma casa ligada ao processo de escravizar pessoas, conta a historia da escravatura africana, incluindo o tráfico negreiro (coisas diferentes, ambas horriveis), do inicio aos nossos dias.
Em 1444 chegaram a Lagos, e foram “recebidos” pelo Infante Dom Henrique que assistiu à sua venda, e que ficava com 60% do valor, os primeiros 235 escravos provenientes da África Ocidental.
Com a instalação, em grande número, dos portugueses em Cabo Verde e São Tomé, esse trafico intensifica-se e depois houve o Brasil, que antes e depois da independência (1825), recebeu milhões de escravos. Estima-se que cerca de 5 milhões.
O tráfico transatlântico intensifica-se a partir de 1500 e se, no inicio, os barcos partiam da localidade hoje conhecida como Cidade Velha na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, depois da construção do fortim do Cacheu em 1588, Cacheu passa a ser o ponto central desse trafico transatlântico. Até 1621, data da criação da Companhia Holandesa das Indias Ocidentais, Portugal tinha o exclusivo quase total do comércio de escravos africanos.
As feitorias e companhias monopolistas privadas, mas com a bênção da coroa, geriam o comércio dos produtos e os escravos eram tidos como um produto, e tratados como tal ou pior ainda. As pessoas eram apanhados, sequestradas, faziam longas marchas até ao litoral e esperavam – eram alimentados para ganhar peso e passavam óleos na pele para ficarem luzidios e renderem mais – eram batizados pelo Franciscanos que por aqui estavam, e por fim embarcavam rumo a outro continente.
As condições de vida eram infra-humanas. Eram marcados a fogo, como se faz ao gado, várias vezes desde a captura até ao último dono. O tráfico negreiro foi a maior migração forçada da história. Ironicamente, os barcos negreiros tinham nomes inocentes como “Feliz Ventura” ou “Amável Donzela”.

E se Marquês de Pombal aboliu a escravatura em Portugal continental em 1761, só em 1867 ou 1875 o negócio foi proibido em todo o espaço português. Mesmo depois disso, houve escravatura e tráfico disfarçado de trabalhos forçados, contratos e afins … um antecedente do que hoje acontece aos milhares, ou milhões – não sei os números- de africanos que embarcam pelo Atlântico e Mediterrâneo à procura de uma vida melhor.

Ouvir esta história em África, em Cacheu, no baluarte que aprisionou tantos escravos/as, pela boca de um jovem negro, teve um impacto muito grande em mim.
Muito fica por contar, mas acabo, tal como iniciei, com as palavras do Gino. Perguntei-lhe por que é importante conhecer o Memorial e vir a Cacheu, deu-me 6 razões:
1) conhecer a historia real da escravatura
2) conhecer a história da Guiné, Cacheu é a primeira semente da nação guineense
3) encontrar a história de varios grupos étnicos e varias actividades como o pano de pente que no sec XVI era dos mais caros do mundo
4) conhecer a primeira fortaleza da Guiné, que data de 1588
5) conhecer o cemitério dos ingleses, hoje o cemitério local
6) conhecer a primeira igreja na costa ocidental de África, dos Padres Franciscanos, que data de 1690
E eu acrescento mais uma;
7) conhecer o Gino Gomes

No local estão agora as estátuas coloniais que foram retiradas de Bissau.

O Memorial foi desenvolvido pela ONG Ação e Desenvolvimento, num projecto em parceria com varias instituições, como a Fundaçao Mário Soares, a fundação EDP e o Camões. Foi inaugurado em 2016. Mas os apoios terminaram o ano passado. Se há projectos que devem ter apoio da cooperação portuguesa ao seu contínuo funcionamento, este é um deles. Portugal tem uma dívida impagável para com esta região e manter a funcionar, apoiar e dar visibilidade a este museu é nao deixar cair no completo esquecimento esta história triste e tentar evitar que ela se repita!
Eu faço a minha parte com esta simples crónica!

Agradeço muito a publicação deste texto.
Aprender pormenores, ou relembrar outros conhecidos, da dominação de homens indefesos por outros homens armados, é reflectir mais uma vez na sórdida acção de parte da humanidade que detém o poder.
Há um autor algarvio falecido o ano passado, Jacinto Palma Dias, que nos seus livros agora em divulgação no FB, escrevia que ao infante pouco importava avançar nos Descobrimentos de novas paragens. Bastava ficar por ali, onde o aprisionamento de escravos para venda posterior, justificava as expedições.
Não eram considerados os dramas de separação de famílias, o sofrimento dos prisioneiros. O tráfico humano era um negócio como qualquer outro.
Como sugere aqui Vanda Narciso, até rendia mais do que a maioria dos outros negócios. Estimulado pelo poder, ou por indivíduos a ele ligados, como o infante, que já beneficiava de outros privilégios de forma escandalosa.
De facto continua a traficar-se gente, crianças e adultos. Não vai ser apagada a prática vil dos homens torpes, mas deve haver por aí, no fundo dos sacos perdidos pelos gabinetes ministeriais, alguns trocos para fazer avançar o projecto do Memorial…Só para não deixar esquecer isso mesmo: a escravatura só mudou de rosto.