Uma fotografia e muitas histórias

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1809

Amina recordava muitas vezes a história que a mãe contava. Cada vez que olhava para a fotografia na parede. A mãe falara da avó de Amina frequentemente. Contara o que sabia. Que vivia em “Al-Quds” e que aprendia costura em casa de uma vizinha. Faziam-no muitas vezes à janela, com vista sobre a cúpula dourada de Jerusálem.

A avó de Amina, Suleima, era uma jovem alegre e determinada. Não gostava do trabalho na quinta, embora todos os irmãos o fizessem. Todos os dias, depois de ajudar a mãe nas lides domésticas, ia para casa da vizinha com a casa grande. Lá aprendera a costurar e a bordar. Suleima aprendera depressa e estava a bordar panos de mesa para o dia do casamento do irmão mais velho.

Um dia, o marido da vizinha tirou-lhes uma fotografia. Tinha comprado a máquina em Jerusálem e queria experimenta-la. Estava sol e um dia bom para criar boas memórias, pensou. Suleima nem se apercebeu que estava a ser fotografada, absorta em pensamentos.

Andava algo preocupada. Tinha ouvido histórias de gente que se queixava dos sionistas. Que iam roubando terras aos agricultores e que os ingleses não faziam nada para impedi-los. O pai era professor numa escola para rapazes e também sabia que chegavam cada vez mais pessoas de outros países à Palestina. Mas estava confiante pois tinha amigos judeus, costumava fumar e beber chá com eles quando
acabava as aulas.

Amina recorda a mãe. Morreu na Jordânia em 1988. Fora com a mãe, Suleima, e os irmãos para um campo de refugiados, por altura da Naqba, deixando “Al-Quds” e alguns membros da família para trás. O pai de Amina fora morto em confrontos com colonos que vieram expulsa-lo da sua quinta. Suleima ficou viúva quando se preparava para fugir.

A mãe de Amina, Noor, nasceu em 1936. Suleima havia casado com um vizinho que se dedicava à agricultura. Ironia das ironias, porque Suleima detestava o trabalho do campo. Mas estava muito apaixonada e nem pensou duas vezes quando foi pedida em casamento. Tinha 24 anos quando deu à luz a primeira filha.

Suleima morrera antes, ainda no campo de refugiados. Não conseguiu cumprir o sonho de voltar à sua terra. Noor dizia a Amina que o ‘Regresso’ era o que todos ambicionavam. Noor passou a ser responsável pelos dois irmãos quando Suleima morreu. Noor sentia mais revolta e ódio do que Suleima, admitiu. Viu a criação do Estado de Israel, a Guerra dos Seis Dias, e o início da Primeira Intifada.

Noor casou com um jordano. Quando Amina nasceu, vivia em Aman. Noor contava que Suleima detestava os trabalhos agrícolas mas que gostava muito do marido. Temia por este e pelos filhos, porque chegavam cada vez mais sionistas e colonos e os conflitos aumentavam. Quando os ingleses sairam da Palestina, Suleima percebeu que o risco era maior.

Noor e a mãe, Suleima, deixaram a Palestina para sempre em 1947. Noor tinha 11 anos. Viu o pai morrer antes e viu a mãe muito triste mas não se recorda de a ver proferir uma palavra má, uma palavra de ódio. Noor, por sua vez, detestava o campo de refugiados e tinha saudades de correr por entre as árvores. Cresceu com revolta, amaldiçoava os israelitas e chorava longe de todos.

Amina olha para a fotografia. Suleima era muito bonita. Noor sempre disse que Suleima dizia que o avô de Amina também era um homem bonito. Amina sai ao pai, jordano, tem cabelos mais claros e olhos verdes. Amina tem nacionalidade jordana e tem dois filhos. Noor morreu de doença prolongada, sem nunca ter conseguido ver um estado palestiniano. Amina pensou que sim, que era possível com os
Acordos de Oslo, era fã de Bill Clinton.

Dois tios radicalizaram-se no campo de refugiados. A avó, Suleima, compreendeu a escolha dos filhos mas no seu intímo desejava que assim não fosse. Sabia que ser mártir era servir a pátria, desde que os sionistas expropriaram os vizinhos palestinianos das suas terras, há anos atrás, que sabia, mas não era destino que quisesse para os seus.

Amina olha muitas vezes para a fotografia. Sorri e sente tristeza, em simultâneo. Vê as notícias na televisão. Dá graças a deus que os filhos, adultos, vivem no Canadá.

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