Tito, engenheiro de carrinhos de arame

Podemos não colecionar objectos, mas guardamos memórias.

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Já lá vai uma eternidade. As chamadas Águas Quentes do Alto Hama, em Angola, uma espécie rudimentar mas pura de termas, eram um dos locais habituais onde, por o horizonte saber a infinito, eu passava muitos fins-de-semana e, nos derradeiros tempos, as semanas do fim.

Das pessoas que frequentavam o local pouco recordo, para além de alguns amigos sonhadores que, no meio de umas churrascadas e de umas tantas grades de cucas, davam largas à imaginação.

No entanto, um morador nas redondezas é para mim sinónimo daquele local. Não existem Águas Quentes sem ele e, certamente para mim, sem ele aquele local nunca seria o mesmo. Era o Tito.

Um puto albino que estava sempre lá, calmo e sereno como antevendo que não valia a pena chatices. Sorria, falava pouco mas tinha um olhar tão vago e penetrante como o pôr-do-sol. Junto ao asfalto da estrada para Luanda, o Tito montava o seu negócio.

Com carolos de milho, cápsulas de cerveja e uns pedaços de arame, construía os automóveis que vendia a todos quantos amassem verdadeiras obras-primas do artesanato. Apesar de serem diversos os modelos, uns mais desportivos outros mais de serviço, o Tito só fabricava uma marca: Toyota.

Nenhuma outra conseguiu cativar o Tito, aquele puto albino de olhar tão vago e penetrante como o pôr-do-sol.

Comprei-lhe vários modelos e, não fora o canibalismo daqueles que nunca tiveram a honra de conhecer o Tito, ainda hoje os poderia ter.

Penso que esses Toyotas do Tito estarão algures no fundo mar junto a Moçâmedes, local onde foram guardados para a eternidade os caixotes daqueles cujo único erro que cometeram foi amarem Angola.

No entanto, como hoje aqui comprovo, o Tito, aquele puto albino de olhar tão vago e penetrante como o pôr-do-sol, deixou no meu coração um dos seus últimos Toyotas.

Obrigado Tito.

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