Para alimentar o desprezo pelos políticos, nada melhor que passar a imagem de que se vendem por um prato de lentilhas. Os almoços pagos como contrapartida de favores são, até agora, um dos condimentos desta intrigalhada.
Para o Ministério Público, almoços bem regados são indício de corrupção. Uma refeição para três que custou 564 € ou uma outra para quatro que custou 1.031 €, sempre pagas por um administrador da empresa Start Campus, são parte das evidências recolhidas contra João Galamba. Os procuradores deverão pensar que se Galamba não pagou logo ali o que comeu será porque iria pagar em ‘géneros’ mais tarde. Na indiciação, o Ministério Público considera que estas condutas são socialmente desadequadas. Mas será preciso provar que houve crime.
A maior parte dos indícios serão imateriais, digamos assim. Baseiam-se em conversas que os arguidos tiveram entre si ao telefone. É espantoso como ainda há quem fale ao telemóvel sem cautelas, porventura gabando-se de coisas que nunca aconteceram.
O DATA CENTER DE SINES
Por exemplo, António Costa é mencionado em dezenas de escutas telefónicas. Os arguidos falam dele, mas nunca com ele. Afirmações tipo “O que é que o Rodrigo precisa? De uma chamada do primeiro-ministro a dizer que ele precisa de fazer isso?”, ouviram Afonso Salema dizer a Rui Oliveira Neves, ambos administradores da Start Campus. O Rodrigo será Rodrigo Costa, presidente da REN.
Também há referências a outros nomes, como, por exemplo, o ministro das Finanças. A propósito de uma questão administrativa, Diogo Lacerda Machado (o melhor amigo de Costa) foi escutado a dizer que “se for Finanças, eu falo logo com o Medina ou com o António Mendes que é o secretário de Estado, se for Economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa.”
Para já, é o que temos. Gabarolas que se fazem valer da proximidade com membros do Governo para terem justificação para eventuais pagamentos. A alguns deles, a Start Campus pagaria avenças de alguns milhares de euros por serviços prestados.
Mas o Ministério Público considera que Diogo Lacerda Machado foi figura chave de um pacto corruptivo com a Start Campus. Em troca de 143 mil euros (6.500 euros por mês), terá abusado da amizade com António Costa para favorecer a empresa que instalou um data center em Sines. Lê-se no despacho que Lacerda Machado exercia “influência e pressão sobre membros do Governo para determinar indevidamente o sentido dos atos desses membros e fazer com que os atos fossem praticados de forma mais célere, tudo em benefício do projeto Start Campus”.
O LÍTIO E O HIDROGÉNIO
Quase em segundo plano, mas dentro do mesmo processo judicial, decorrem as investigações sobre os negócios do lítio e do hidrogénio. Tudo aconteceu já há cerca de 5 anos, mas agora é que deu jeito despoletar o caso.
O MP diz ter dúvidas sobre a legalidade das aprovações administrativas e ambientais concedidas aos projetos das duas minas de lítio em Portugal. Em causa estão as aprovações da mina concessionada à Luso Recursos em Montalegre, e da mina da Savannah em Boticas, ambas no distrito de Vila Real.
No caso da mina do “Romano” em Sepeda, Montalegre, as suspeitas dos investigadores judiciais tiveram início quando se percebeu que o projeto da Luso Recursos foi aprovado 3 dias depois do registo da sociedade. Acrescem suspeitas quanto aos “procedimentos que rodearam a avaliação de impacto ambiental”, para as duas minas em causa.
Os investimentos na exploração do lítio e da instalação de uma fábrica de produção de hidrogénio foram mediados pelo ministro do Ambiente, Matos Fernandes e pelo secretário de Estado João Galamba. O facto de o consórcio vencedor do concurso para o hidrogénio ter sido “apadrinhado” pelo Governo, não deve ser alheio às suspeições dos procuradores.