A história – que remonta aos primórdios do século VI a. C. – é contada na Bíblia, onde os lamentos e as visões dos profetas mui significativamente a enquadram: Nabucodonosor, o grande rei de Babilónia, capital da Assíria, vence os Hebreus e leva-os de cativeiro para as terras entre o Tigre e o Eufrates.
Pode o leitor, se tiver um bocadinho de tempo e lhe aprouver, pôr esses mapas antigos em cima dos actuais e, estou certo, até é capaz de ficar surpreendido e poderá comentar de imediato: «Pois é, a história repete-se!». E é verdade. Não com as mesmas armas mas com as mesmas motivações: religiosas e económicas ou económicas e religiosas, porque a religião (sabe-se bem) é, cada vez mais, a capa ideal para os interesses económicos.
E, assim, os produtores do espectáculo do dia 3 no Salão Preto e Prata do Casino Estoril puderam projectar em pano de fundo imagens actuais da devastação provocada pelos mísseis, em jeito de mui ténue comparação com a devastação que a guerra entre Assírios e Hebreus terá provocado (Jerusalém foi destruída em 587 a. C.). E tal como hoje, embora as ruínas impressionem, o acento foi então posto nas pessoas, nos reféns, na escravização. E disso falam os profetas, incitando o seu povo a ter confiança no deus todo-poderoso que, um dia, os irá libertar.
No libreto, escrito por Temistocle Solera, da ópera que se deve ao enorme génio de Giuseppe Verdi, tudo acabará por se resolver através de intrigas amorosas e, mesmo em cadeira de rodas, Nabucodonosor quer, a todo o custo, manter-se senhor de todos os poderes. Acabará por não conseguir. Bom presságio, agora? Na ópera tudo se passa há milénios, senhores! No entanto, escrita durante a época da ocupação austríaca no Norte de Itália e representada, pela primeira vez, em 1842, no Scala de Milão, o Coro dos Escravos tornou-se o hino da resistência italiana.
O Grupo Chiado, promotor da iniciativa, reduziu a dois os quatro actos que o libreto assinala. Sobre a cena, legendas numa faixa vão dando tópicos sobre o que no palco se observa. A Hesperian Symphony Orchestra, dirigida por Antonio Ariza Momblant, sublinha cada movimento e vai encantar-nos, claro, quando, vestidos de escarlate, os hebreus cantam o jamais ultrapassado coro dos escravos: «Va, pensiero, sull’ali dorate, Va’, ti posa sui clivi, sui colli…», «Vai, pensamento, sobre asas douradas. Vai, pousa-te nas encostas e no topo das colinas, onde, mornas e macias, nos perfumam as doces brisas do solo natal! Saúda as margens do rio Jordão e as torres derrubadas de Jerusalém»… – a saudade do sempre ansiado regresso!
Coube a direção de cena a Ignacio García. E, mais uma vez, a produção não achou de interesse disponibilizar qualquer informação acerca da identificação dos actores e dos respectivos papéis. É pena! Mas o espectáculo encheu as medidas de quantos tiveram a dita de a ele assistir. Aliás, esteve lotado o Salão Preto e Prata e, no final, fartos foram os aplausos, de pé!
Fotos de Conceição Alves gentilmente cedidas pelo Gabinete de Imprensa do Casino Estoril