Luz Vermelha

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Cândido Ferreira já não pertence ao nosso mundo; deixou-nos em 21 de março deste ano. Aliás, as suas intervenções nos últimos anos de vida poderiam já ser consideradas «do outro mundo», como foi o caso do livro “Covid-19 A Tempestade Perfeita”, sobre que o médico Rui Crisóstomo – em cerimónia de homenagem realizada em Cantanhede, sua terra natal, a cujo município mui significativamente Cândido Ferreira entregou parte do espólio histórico que foi reunindo ao longo dos anos – afirmou que as soluções aí apontadas, «por estarem sempre muito à frente no tempo, só muito mais tarde foram reconhecidas na sua justeza e validade», acrescentando: «Infelizmente, quando o foram, para muitos, era tarde demais».

Retomo a evocação da sua memória, porque dele guardei esta frase que me enviou numa das muitas mensagens que tivemos oportunidade de trocar:

«No entanto, três meses depois da apresentação da candidatura, bloqueado pela principal imprensa, que sobre mim só passava contrainformação, ganhei a certeza de que o melhor seria desistir. Pois se até entrevistas televisivas solicitadas foram alvo de apagão, enquanto jornalistas amigos me avisavam que sempre se acendia uma qualquer “luz vermelha”, quando o meu nome aparecia nas Redações».

Referia-se à candidatura à presidência da República.

Ocorreu-me agora a sua alusão à ‘luz vermelha’. Não, por encontrar, amiúde, quem, na estrada, passe a toda a brida e o semáforo já virara encarnado, mas porque a frequência dessas tais luzinhas vermelhas está a aumentar substancialmente.

Cândido Ferreira partiu, consciente de que, custe-lhe o que custasse, não obedecia ao eufemismo do «politicamente correcto» e, por isso, a luzinha acendia; nós, os que por cá ainda andamos e tivemos a experiência de aprender a escrever para a Censura, acabamos por, agora, recomeçarmos essa aprendizagem.

O perigo espreita, porém: o de nos acomodarmos, baixarmos os braços, quem vier atrás que feche a porta, para que hei-de eu ralar-me, eles são pagos para isso, albarde-se o burro à vontade do dono!…

O dono é que nem sempre domina à perfeição as técnicas do albardar e, quando menos se espera, lá vai a cangalha ao chão com tudo o que tem em cima e nada há que se aproveite depois. Chora-se sobre o leite derramado, mas só o canito que passe o tentará lamber…

Publicado antes em Renascimento [Mangualde], nº 855, 15/11/2023, p. 10 e no blog Notas & Comentários

2 COMENTÁRIOS

  1. Consubstanciadas nas luzes vermelhas que se acendem, conhecemos todos, ontem e hoje, as censuras que se acumulam, disfarçadas com operações cosméticas.
    Tenho muita pena que cidadãos tão íntegros como este vosso Amigo, estimados José d´Encarnação, Carlos Narciso e outros que ele privilegiou com a sua atenção, se sintam corroídos pelo desgosto que vai minando a saúde.
    Estão muito à frente, pois é…Um dia vão ser entendidos. Dedica-se-lhes uma placa e uma “sentida” homenagem.
    Por isso eu escrevia no blog que aquilo que me anima, é que o cangalheiro virá um dia para todos. Ou talvez antes disso, a lei do retorno exerça a sua justa punição.
    Um abraço.

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