O que se passa no quotidiano de cada um, nos aspectos corriqueiros da vida – e aí está a frase a dar-nos o imprescindível alento – também é passível de acontecer no dia-a-dia do investigador. De vez em quando, sucede que se persegue durante anos a explicação para um fenómeno, dúvidas ajuntam-se a dúvidas, acaloradas discussões se levantam e não há meio de se chegar a uma conclusão; e depois, de um momento para o outro, como que por magia, tudo fica esclarecido!
Quando, pelos finais de Novembro do ano passado, demos conta de que nos parecera ter encontrado explicação para as ténues letras subsistentes num pequeno altar romano com que nos deparáramos, proveniente do Castro de Goujoim, União de Freguesias de Arícera e Goujoim, concelho de Armamar, mal queríamos acreditar que, na verdade, se confirmava assim que o rio Vouga fora considerado uma divindade pelos Romanos. O nome do rio era Vacus ou Vacua (segundo outras versões literárias antigas), e o que se lia na pedra era, em nosso entender, Vaco, ou seja, em português, «a Vaco».
A proposta foi acolhida entre o mundo científico com a natural cautela, houve latentes objecções. Não porque se duvidasse que já nesses tempos antigos ao rio Vouga – mormente por desaguar naquela enorme e linda ria e largamente irrigasse a sua bacia hidrográfica – se pudesse ter atribuído um génio divino (como, aliás, era hábito entre os Romanos), mas porque essa palavra também aparecera noutras zonas do território peninsular, afastadas desse rio.
Carecia-se, porventura, de mais alguns dados para que a nossa opinião se consolidasse e merecesse mais apoio. E esses dados – mesmo sem expressamente os procurarmos – acabaram por surgir.
Nelson Oliveira, que reside na Rua do Casal, em Queimada – bem haja, amigo, pela gentileza da comunicação! – encontrou, há cerca de 25 anos, aquando da demolição de uma casa na povoação de Queimada, na bifurcação da Rua do Casal, Avenida da Calçada e Rua Dr. António Gomes Teixeira, o pequeno altar de que ora damos conhecimento.

É de granito de grão fino, mede de altura 37,5 cm, de largura 24,5 e de espessura média: 18,5. No capitel, como já se vira no altar de Goujoim – e deve ressaltar-se a semelhança, a sugerir que os dois monumentos podem ter saído da mesma oficina –, foi delineado o fóculo, ou seja, o espaço côncavo onde se poderiam queimar essências em honra da divindade.

A inscrição está, como se vê, muito delida, em consequência dos muitos séculos que por ela mui descuidadamente passaram; no entanto, cremos não haver dificuldade em ler, na 1ª linha, VACO; na 2ª, o nome da dedicante, AVITA; na 3ª, VOTO.

Palavras latinas que, vertidas para português, significam que uma senhora de nome Avita, ao mandar esculpir este pequeno altar, estava a cumprir uma promessa (um voto) que fizera à divindade Vaco.
A divinização da Natureza (rios, fontes, montanhas, o oceano, o Sol…) era, como se sabe, corrente entre os povos antigos, pois se reconhecia que da Natureza dependia o bem-estar e a vida. Hoje, também se reconhece. A diferença está em que, na actualidade, destrói-se; antigamente… venerava-se!
Artigo em co-autoria com José Carlos Santos
Um texto e achado muito interessantes.
Devia ter colocado pela outra ordem, achado-texto, mas o que importa é que aprendi uma vez mais e lembrei que os antigos veneravam a Natureza como entidade superior.
Se deificar certos elementos naturais como um rio era errado, ou não? Parece-me muito mais acertado do que destruí-los, conforme José d´Encarnação conclui no fim deste texto.
À luz do que hoje sabemos, a importância de um curso de água e das margens que vai irrigando, ou de uma floresta, é incomensurável. Ambos fornecem o alimento à população, a excelência do ar que respira, o equilíbrio.