Metrópolis é uma cidade maquinalmente utópica – no sentido estrito do advérbio – , regrada,
com 50 milhões de habitantes, organizada por castas, os usuários de Seda Branca (casta
superior, aristocrática) e os de Linho Azul (castra inferior, trabalhadora), em que cada passo
humano, cada pulsar de máquina, é orquestrado sob o olhar atento de Joh Frederson, o senhor de Metrópolis; exilado na Nova Torre de Babel, Joh Frederson controla o fluxo de Metrópolis: as
máquinas sustentam a cidade, algumas semelhantes a divindades hindus, a utopia, tendo, porém, de ser alimentados pela força humana, pelo trabalho exaustivo da casta inferior, que habita numa infra-cidade, por onde passa o reservatório de água da supra-cidade, num sistema
complexo de cavernas e túneis – eis a distopia!
A trama desenvolve-se em torno de um “despertar”. Freder, filho de Joh Frederson, senhor de
Metrópolis, usuário da Seda Branca, inquieta-se aquando de uma visita inesperada no “Clube
dos Filhos” de uma jovem pálida e de belos olhos, figura virginal, Maria, que se faz acompanhar de crianças “(…) pardas e envelhecidas como se se tratasse de anões. Eram pequenos esqueletos descarnados e espectrais que se sustinham em batas esfarrapadas e debotadas.” (pág.27). A frase de Maria foi simples e sagaz: “Vejam, estes são vossos irmãos!” (pág.28). A frase de Maria dá início ao caos dentro da ordem.
Tentando resumir uma obra tão rica como “Metrópolis” não é fácil: Von Harbou apresenta-nos um sucessivo quadro de imagens fortes. Assumo que desde a frase de Maria, tudo o que se
segue é uma decadência de valores pré-estabelecidos e um heroísmo mordaz – Freder enamora-se de Maria e pretende descobrir mais sobre os mecanismos de Metrópolis e do seu alimento, as gentes de Linho Azul; naturalmente, as indagações de Freder não passam despercebidas ao pai, que tenta de tudo, desde a extorsão a perseguição de terceiros, para que o jovem se mantenha longe da realidade: as suas tentativas vão falhando até que, pactuando com Rotwang, um génio louco bem conhecido de Joh Frederson – cuja mulher, Hel, ele roubou para si –, decide aprisionar Maria. Rotwang tenta subtrair a alma de Maria para uma máquina – todavia, após vários acontecimentos, o plano fracassa e essa máquina decide iniciar a revolução, enchendo a cidade superior com todos aqueles que habitavam as cavernas, levando os Góticos, inclusive, a seita religiosa ortodoxa da cidade, a decretar “os fins dos tempos”, numa parada de autoflagelamento, comandada pelo monge Desertus.
O senhor de Metrópolis, Joh Frederson, vai paulatinamente perdendo a sua rigidez de caráter, admitindo o erro que foi gerir Metrópolis de tal maneira, dando primazia às máquinas e desdenhando uma parte do género humano: o seu entendimento disto envelhece-o, deixa os seus cabelos brancos; num ímpeto nervoso faz várias visitas à sua mãe: esta entrega-lhe uma carta de Hel, que o comove profundamente: Joh Frederson, um ser transfigurado: “(…) lançou-se de joelhos junto à mãe. Enlaçou os braços à volta dela e pousou a cabeça no colo, que o gerara. Sentia-lhe as mãos no cabelo, sentia como, cheia de medo de o magoar, o acariciava como se fosse a marca de uma ferida não cicatrizada perto do coração, e ouviu a doce voz dela dizer: «Meu pobre filho!»”.
Metrópolis termina num cenário sugestivo à reavaliação de todos os valores e à reconstrução
da cidade: Freder, encarregado com o título de “mediador”, junto com Maria, são a nova luz, tão eminente como necessária, para a concretização deste plano – inserir, de novo, a utopia, na
distopia corrente.
(Para a redação deste artigo foi usado Metrópolis, de Von Harbou, ed. Livro B, nº63, outubro de 2021)