UCRÂNIA, AS NOTÍCIAS ESQUECIDAS

O que apareceu primeiro, o ovo ou a galinha? É uma questão sem resposta, porque não há galinhas sem ovos e vice-versa. Mas convém perceber que nada fica eternamente na mesma. As circunstâncias mudam, tudo tem uma causa e uma consequência.

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Na guerra da Ucrânia, pouco importa saber quem deu o primeiro tiro. Importa saber que esse tiro não foi dado em 24 de fevereiro de 2022.

Numa pesquisa nada exaustiva pela net, mais balizada pela memória que por qualquer outro método, partimos à procura das origens desta guerra e dos argumentos iniciais. Isto é, fomos à procura das notícias esquecidas sobre fatores endógenos da política ucraniana.

A BBC, EM 2014

Encontrámos uma notícia da BBC de 28 abril de 2014, sobre a queda do Presidente Viktor Yanukovych. Diz a BBC nesse artigo que a ala mais ultranacionalista do movimento Maidan era o Setor Direita, grupo neonazi que liderou os protestos na Praça Maidan, em Kiev, Transcrevendo, a BBC diz que “a retórica inflamatória e a violência do partido levam os media russos a descrever a Ucrânia como invadida por neonazis que ameaçam a população de língua russa.”

fonte: https://www.bbc.com/news/world-europe-27173857

O artigo explica que o Setor Direita foi criado em 2013, através de uma aliança de vários grupos da extrema-direita ucraniana. Essa aliança foi liderada desde o início por Dmytro Yarosh, um confesso admirador de Stepan Bandera, um nacionalista ucraniano histórico, combatente que apoiou a invasão alemã da União Soviética na II Guerra Mundial.

Neste artigo de 2014, a BBC diz ter entrevistado vários membros do Setor Direita que aformaram querer “uma Ucrânia só para ucranianos”, isto é, sem estrangeiros, especificamente russos. O artigo da BBC termina dizendo que a Rússia acusava o Setor Direita de envolvimento na violência contra separatistas russófonos no leste da Ucrânia.

A REUTERS, EM 2018

Em 2018, a Reuters (agência de notícias dos EUA) publica um extenso comentário político sobre a Ucrânia, intitulado “O Problema dos Neonazis na Ucrânia”.

fonte: https://www.reuters.com/article/us-cohen-ukraine-commentary/commentary-ukraines-neo-nazi-problem-idUSKBN1GV2TY

Este artigo faz referência a um outro grupo da extrema-direita chamado “Milícia Nacional”. Aqui, podemos ler que  muitos dos membros da Milícia Nacional pertenciam ao movimento Azov, um dos cerca de 30 “batalhões voluntários” financiados por fundos privados que, nos primeiros dias da guerra contra os separatistas do Donbass, ajudaram o exército regular da Ucrânia.

Diz a Reuters que o simbolismo Azov é semelhante ao dos nazis e que o recrutamento era feito nos meios neonazis ucranianos.

Depois da Rússia ter anexado a Crimeia, a maioria dos grupos neonazis foram integrados no exército regular ucraniano. Mas o movimento Azov resistiu a essa normalização e em 2018 continuava a ter campos de treino militar próprios e continuava a recrutar militantes, principalmente entre os adolescentes.

Em 2018, a Reuters afirmava que os militantes Azov e de outras milícias atacavam manifestações antifascistas, reuniões políticas de partidos do centro e da esquerda, pressionavam meios de comunicação social, vandalizavam exposições de arte, atacam na via pública estudantes estrangeiros e ciganos.

A Reuters dava conta do clima de medo que estava a intensificar-se nessa época. Identifica até um momento crucial para o surgimento desse clima, quando o pacifista Stas Serhiyenko foi esfaqueado em 2017 por elementos do grupo C14 ( assumidamente supremacistas brancos).

A Reuters dava conta, ainda, de uma reação da Amnistia Internacional, na sequência de ataques violentos contra os participantes em marchas no Dia Internacional da Mulher, em várias cidades ucranianas. Dizia, então, a Amnistia Internacional, que “o Estado ucraniano está a perder rapidamente o seu monopólio da violência”.

HUMAN RIGHTS WATCH, EM 2019

Em 2019, a ONG Human Rights Watch indignava-se quando um tribunal de Kiev deu razão a uma queixa deste grupo C14, contra o canal de televisão online Hromadske, por difamação ao ter classificado o C14 como grupo neonazi.

fonte: https://www.hrw.org/news/2019/08/08/ukrainian-court-penalizes-news-outlet-calling-far-right-group-neo-nazi

Isto, dizia o Human Rights Watch, apesar de comprovadamente o C14 professar ideologia neonazi, apesar de assumir a autoria de ataques violentos contra ciganos, ativistas LGBTI, ativistas pelos direitos humanos. “Na primavera de 2018”, afirma o Human Rights Watch, “elementos do C14 atacaram um campo de ciganos em Kiev, queimaram as tendas, agrediram pessoas incluindo mulheres e crianças”.

Ainda segundo o Human Rights Watch, o “C14 promove o ódio racial, a discriminação, de maneira assumida e prometem mais ações no futuro”.

Em resumo, o que transparece da leitura destes três artigos, escritos entre 2014 e 2019, é a ascensão segura e metódica da extrema-direita neonazi na Ucrânia, a normalização destes grupos através da sua integração nas forças armadas e a adequação legislativa que lhes permitiu usar da violência sem medo de castigo.

Hoje, está concluido o branqueamento dos neonazis ucranianos. O passado foi esquecido. Até que, um dia, vai bater à nossa porta.

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