PARA ALIMENTAR A MEMÓRIA

A circunstância de a RTP 1 estar a usar agora, como separador, um pequeno vídeo da actividade vidreira leva-me a pensar na Marinha Grande. Cidade de memórias a não esquecer; saudável foco reivindicativo a manter.

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Para os que se lembram do que aprenderam acerca das reformas do Marquês de Pombal, o nome «Marinha Grande» está intimamente ligado à criação, em 1769, da Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande. Aproveitava-se a abundância local de sílica e essa manufactura, aliada às outras que a política mercantilista de Sebastião José de Carvalho e Melo soube concretizar, contribuiria para o enriquecimento do País.

Para os dados a outro sector da História, Marinha Grande prender-se-á com a plantação do pinhal que lhe corre a sul, iniciativa já medieval, de el-rei D. Dinis. E pinhal recordará, inevitavelmente, os criminosos incêndios que o têm devastado.

Em contrapartida, para os mais ligados à História Politica, a Marinha – dada a característica das suas gentes, predominantemente fabris, operárias – é símbolo da Esquerda reivindicativa, que bem deu que falar, por exemplo, em várias campanhas eleitorais para a Presidência da República, após o 25 de Abril.

Não, nunca me passaria pela cabeça substituir-me à experiência maior da Dra. Alice Marques, longos anos docente da Escola Calazans Duarte, dessa cidade, e que amiúde nos delicia aqui, no Duas Linhas, com as suas crónicas, quando as graves sequelas dos dois AVC que sofreu lhe dão raros momentos de sossego.

Sucede, porém, que, no dia 25 de Fevereiro, em que fomos ao lançamento do seu livro Volta à Vida em Vinte Livros, no Sport Operário Marinhense, almoçámos no restaurante O Histórico. Seduziu-nos o nome, tanto mais que, na parte inferior do logotipo, havia a palavra ‘Museu’.

Um restaurante-museu

Antes de nos sentarmos e de nos regalarmos – é o termo! – com a comida caseira, tradicional e bem confeccionada, tivemos ocasião de observar o ambiente, gostosamente guiados pelo anfitrião: aquela espécie de leque com madeira salva do incêndio que destruiu O Histórico inicial (este é, por isso, o Histórico 2), aquela cristaleira antiga com bem curiosos vidros de recordação… Mas não resistimos foi a ler o grande painel em que se evoca o operário vidreiro, num texto da autoria de Edgar Calvete.

Aí se dá relevo aos adereços típicos do vidreiro: «a calça de zuarte azul, camisa de estamanhinha [estamenha], cesto de vime com duas abas, farneleira de alumínio com tampa de rosca e o famoso frasco do vidreiro».

Sedutora, sem dúvida, a descrição das características deste frasco, adequadas à circunstância de, outrora, o operário comer da farneleira no próprio local de trabalho.

Assim, era achatado dos dois lados, para melhor se ajeitar no bolso; tinha o gargalo apertado, para que se não bebesse muito (embora se ficasse com a sensação de se tinha bebido o bastante); marisa bojuda e larga «para facilitar o contacto com os lábios» e o manuseamento, porque o operário agarrava no frasco entre os dedos médio e indicador, enquanto segurava a farneleira. Marisa é a parte superior do gargalo; a palavra não vem registada nos dicionários, porque faz parte do vocabulário industrial; significa o «pedaço incandescente de cristal ou outro vidro que é acrescentado a uma peça já moldada, por exemplo, a asa de uma jarra ou o pé de um copo»; neste caso, era o bocal.

Escusado dizer que, no final do repasto, demos graças por, embora em terra de tradição vidreira, havermos saboreado bons petiscos, em boa companhia, sem a preocupação de segurar na mão a farneleira e prender a marisa entre dois dedos!

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