No decorrer da campanha eleitoral para o exercício de um cargo, o candidato da Roma antiga comprometia-se a pagar de seu bolso alguns melhoramentos. E, findo o mandato, fazia questão em mandar gravar uma inscrição a contar o que fizera.
Assim era: os prometidos benefícios em prol do Povo saíam-lhe do bolso. Por vezes, até se explicitava o montante, para se comparar com a promessa feita. E com bastante frequência o acto benemerente ficava, como se disse, consignado numa inscrição em pedra,
Citem-se, a esse propósito, dois exemplos de Balsa, nome por que era então conhecida a cidade onde, mais tarde, veio a erguer-se Tavira. Balsa teve um circo ou anfiteatro, edifício que foi, de certo modo, o antepassado das nossas praças de toiros. No anfiteatro se faziam combates de gladiadores, se lutava contra feras…
Ora acontece que esse anfiteatro de Balsa foi obra não apenas da administração local mas também de particulares, que para a obra deram a sua contribuição. Um deles, L. Cássio Céler, pagou a despesa da construção de cem pés do pódio do circo. O pódio, como a palavra indica, era uma espécie de palanque onde se sentavam, para assistir aos espectáculos, as personalidades importantes da terra. Mandou gravar uma lápide, que deveria ter sido encastrada nesse pódio e onde estava bem clara a expressão impensa sua, «a expensas suas».
Ânio Primitivo, por seu turno, candidatara-se e ganhou lugar para integrar um colégio privilegiado da cidade, o dos séxviros, encarregados, de certo modo, da ligação – quase de teor religioso – entre os habitantes da cidade e o imperador romano. Eram os séxviros, eleitos por um ano, pessoas de grande prestígio local. Vaidoso com a honra que lhe fora concedida, quis Ânio Primitivo agradecê-la à deusa Fortuna. Para isso, não esteve com meias medidas e organizou uma batalha naval, possivelmente num dos esteiros entre as ilhotas da costa; promoveu um combate de gladiadores no anfiteatro; e, para terminar a festa, ofereceu prendas aos cidadãos. E mandou gravar inscrição.
Existiu no século I, em Idanha-a-Velha, um romano bem endinheirado que deu em construir pequenos templos em honra das divindades de que era devoto. Mandou gravar no frontispício deles a inscrição a identificar a divindade («templo de Marte», «templo ao Génio do Município»…), a deixar o seu nome e, no fim, não esqueceu a expressão ex patrimonio suo, «do seu património». Foi ele que pagou, note-se bem!…
Não deixa também de ser curiosa uma outra inscrição, esta de Alcácer do Sal (a romana Salacia). Um dos magistrados locais dera boa conta do recado; e o Povo cotizou-se para lhe mandar gravar a inscrição de homenagem. Soube Lúcio Pórcio Hímero (assim se chamava o magistrado) da intenção do seu Povo; agradeceu-lhe muito e (diz a inscrição em letras gordas) «contente com a honra da inscrição, devolveu a despesa», IMPENSAM / REMISIT!.
Tudo isto nos veio à cabeça – de facto, «nada há de novo sob o Sol!» –, quando, ao passarmos pela aldeia de Casteição, freguesia de Prova e Casteição, concelho de Meda (distrito da Guarda), reparámos em mui singela inscrição, assim como quem não quer a coisa colocada na face lateral da torre sineira, em frente da igreja matriz, cujo orago é Nossa Senhora da Assunção, que diz o seguinte:
POPULI EXPENSIS FACTA AN . 1829
O escrito – por sinal, também em língua latina – vem, pois, na sequência do que já há dois mil anos os Romanos faziam: «Feita a expensas do Povo. No ano de 1829».
Em Longroiva, do mesmo concelho de Meda, há torre sineira também e com inscrição: «Esta torre foi feita pelos irmãos de Gualdim, no ano de 1596». Ruiu em parte na década de 50 do século passado e está reconstruída. Adriano Vasco Rodrigues teve ocasião de a desenhar a torre velha antes da reconstrução e apresentou esse desenho no seu livro Terras da Meda (2ª edição, Meda, 2002, p. 138), que ora aqui se reproduz.
E pronto. Nós explicamos o que está escrito. Agora, o que está implícito – porque é que o povo se meteu nisto e em que circunstâncias – compete aos historiadores locais irem desencantar lendas, tradições e, sobretudo, documentos que o possam explicar! A Câmara Municipal de Meda publicou, em 2000, a monografia Casteição. Da autoria de Albertino Marques e há, no Facebook, a página «Casteição um Lugar na História», criada em Novembro de 2019.
Em todo o caso, assinale-se, boa manifestação é esta da iniciativa popular. Foi 1829 um ano conturbado, em plena luta entre liberais e miguelistas. Os governantes locais ter-se-ão desentendido ou, devido à crise (!), engonharam de mais para fazer a torre sineira, também ela emblema do poder do Povo – pelo toque dos sinos a rebate se convocavam as gentes – e, então ainda Casteição era concelho, a população avançou. Abençoada! E lá estamos nós hoje, quase 200 anos depois, a aplaudi-la!
Artigo em co-autoria com José Carlos Santos
Graça Capinha
21 de agosto de 2023 13:32
!Pena que o mecenato e a filantropia tenham caído em desuso!
António Campar
21 de agosto de 2023 12:42
Pena os políticos de agora não seguirem estes exemplos; em vez de pagarem, abarbatam-se…