Aquele olhar perspicaz

O 42º Salão Internacional de Pintura Naïf, patente durante este Verão, como é anualmente tradicional, na galeria de arte do Casino Estoril, constitui irresistível convite à contemplação da realidade em plenitude!

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Ao fazer um desenho em que deseja retratar alguém ou uma cena, a criança esmera-se em apontar todos os pormenores de maior interesse para ela. Não esquece nenhum! Mormente os extravagantes.

Pouco a pouco, com o tempo, o traço vai-se aperfeiçoando e, amiúde, esquecem-se pormenores para dar uma ideia geral, mais sugerida que desenhada.

Esse, aliás, o caminho habitual do artista: do complexo, do miúdo, para o simples, o despojado, o sugestivo.

Mui diferente é, por seu turno, a pintura dita naïve. Ingénua, porque nos atira para uma ingenuidade infantil; ingénua, porque se esmera no pormenor; ingénua, porque não descansa enquanto não desenha tudo o que viu ou imaginou ver, envolvendo tudo na paleta viva das cores primárias.

O 42º Salão Internacional de Pintura Naïf, patente durante este Verão, como é anualmente tradicional, na galeria de arte do Casino Estoril, constitui, pois, irresistível convite à contemplação da realidade em plenitude!

Merece uma visita pausada. Sem pressas. Não resistindo à vontade de se sentar no chão, de pernas cruzadas, a olhar, a perscrutar pormenores. Quiçá´ logrará distinguir aquele minúsculo cortejo nupcial, os noivos à frente, todos os convidados atrás, em procissão, e a banda a fechar! Quem diria? No meio daquela enorme paisagem!

E ficará admirado com esta Lisboa inventada. Não, não foi foto tirada por um drone; não tem as lágrimas das flores por vender; tem, sim, um colorido imenso, manto de sonho a espraiar-se por sobre um casario em parte imaginado, de cor em borbotão. Veja o pormenor da Baixa Pombalina: alguma vez a imaginou assim?

E este florilégio de lenços de namorados! E este vale do Rio Douro, num hino à fecundidade das vinhas, ao secular trabalho do homem, à placidez de um rabelo a vogar, de vela desfraldada, no rio!…

4 COMENTÁRIOS

  1. Tempos houve em que ia à galeria do Casino do Estoril ver exposições de pintura, naïf também, de pessoas conhecidas, apenas para lhes dar a força que os amigos se costumam dar, quando podem.
    Sempre avisando que, não sendo a corrente estética minha preferida nas artes plásticas, não compraria um quadro, mas poderia levar “outro amigo também” e incitá-lo/a a fazê-lo por mim. Não enganava uns, nem obrigava os outros.
    E de boca a orelha, esta iniciativa tão acarinhada pelo Dr. Lima de Carvalho começou a ser vista, entre nós, com autêntica autonomia e valorização nas suas particularidades.
    José d´Encarnação explica melhor e de forma poética porquê.
    Do artista plástico adulto emerge a criança curiosa e atenta aos pormenores, que deixa na tela a precisão das memórias, valorizadas pelo colorido dos primeiros tempos de vida.
    E hoje a pintura naïf tem o seu lugar e simbologia, ao nível de qualquer outra.

  2. Olá, José dÉncarnação. Gostaria de agradecer o seu texto sobre o 42ª Salão De Pintura Naif do Casino Estoril. Fez um texto muito claro, tendo por base a observação dos quadros e a sua sensibilidade sobre o que sentiu. Foi objetivo e bem fundamentado.
    Achei muito interessante a forma como abordou os quadros nomeadamente o meu. Se bem que eu própria possa ter outra leitura, o seu texto enriquece-a e aí reside o aspecto mais interessante. Agradeço pelo seu empenho e profissionalismo. Gostaria que conhecesse um pouco mais aquilo que pinto.

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