A culpa de Donald Trump (2)

O que fez Donald Trump mudar de ideias, quando inicialmente foi contra os confinamentos, querendo manter o seu impasse comercial com a China?

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Há várias versões sobre as motivações de Trump e a sucessão de eventos. Uma das hipóteses é a de que os seus conselheiros apontaram para o suposto sucesso de Xi Jinping ao decretar bloqueios em Wuhan, tendo a Organização Mundial da Saúde alegado que tal ação havia interrompido as infeções e controlado o vírus.  Não obstante, é útil fazer uma cronologia dos acontecimentos que antecederam os confinamentos nos EUA.

O fim-de-semana decisivo

As reuniões da Sala Oval que antecederam o seu edital de 16 de março de 2020 aconteceram no fim-de-semana dos dias 14 e 15, sexta e sábado. Já estava claro no dia 11 que Trump estava pronto para os confinamentos. Este foi o mesmo dia em que Fauci apresentou o seu testemunho ao Comité de Supervisão, inundando a sala com previsões catastrofistas sobre os impactos da pandemia.

No dia 12, Trump fechou todas as viagens da Europa, Reino Unido e Austrália, causando enormes aglomerações de pessoas em aeroportos internacionais. No dia 13, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos emitiu um documento classificado que transferiu o controlo da política pandémica do CDC para o Conselho de Segurança Nacional e, eventualmente, para o Departamento de Segurança Interna. No momento em que Trump se encontrou com Fauci e Birx naquele mítico fim-de-semana, o país já estava perto da lei marcial.

Isolando as datas, parece claro que a mudança de espírito de Trump terá ocorrido a 10 de março de 2020, um dia após o seu tweet a afirmar que não deveria haver paralisações e um dia antes do depoimento de Fauci. Para Debbie Lerman, investigadora do Brownstone Institute, tal revela um facto, no mínimo, perturbador: que a política de gestão da pandemia de Covid-19 não foi forjada pela burocracia da saúde pública norte-americana, mas pelo setor de segurança nacional do estado administrativo. Segundo esta autora, tal fica exposto em duas características críticas da resposta Covid: 1) a crença de que o vírus veio de uma fuga de laboratório e 2) a vacina foi a contra-medida de biossegurança promovida pelas mesmas pessoas como correção.

A hipótese da visita do Conselho de Segurança Nacional

O que se passou nos dias que antecederam os confinamentos nos EUA é um mistério e Donald Trump nunca explicou porque mudou de ideias, preferindo evitar o assunto. O pouco que se sabe resulta dos livros que Brix, Pence e Kushner têm vindo a publicar sobre a pandemia, feitos sobretudo para ganhar royalties. Os investigadores do Brownstone Institute têm reunido informação ao longo dos últimos três anos, a maioria em relatórios de segunda mão, e as pistas disponíveis apontam para o seguinte cenário: a 10 de março, na sequência do tweet desdenhoso, Trump recebeu uma visita de um conjunto de figuras de topo do Conselho de Segurança Nacional.

Segundo a mesma fonte, o grupo terá revelado a Trump a suspeita de que o vírus SARS CoV-2 teria origem num laboratório de pesquisa em Wuhan e poderia ser uma arma biológica. Esta seria a  verdadeira razão pela qual Xi Jinping se vira obrigado a tomar medidas extremas de proteção do seu povo e os EUA deviam seguir o mesmo exemplo.

Trump também terá sido informado que o vírus já fora mapeado e que se poderia proceder à conceção de uma vacina para proteger a população, nomeadamente por meio da tecnologia de mRNA. Com 20 anos de pesquisa, a tecnologia de mRNA permitiria lançar um produto em meses, mesmo a tempo de “matar” o vírus chinês antes das eleições. Fazer tudo isto não apenas garantiria a sua reeleição, como Trump entraria para a história como um dos maiores presidentes dos Estados Unidos de todos os tempos.

Donald Trump passou dois anos do seu mandato a impor tarifas à China e a fazer todo o tipo de ameaças. Naquele momento na História, sobretudo sendo pública a cibervigilância que ambas as nações mantêm uma sobre a outra, era credível a hipótese de uma guerra biológica de retaliação. Encostado à parede pelos factos que lhe terão sido apresentados, Trump terá decidido usar a sua posição como presidente para impor um confinamento geral sob o estado de emergência.

Pedro e o Lobo

Foi Scott Atlas, outro conselheiro de saúde pública da administração Trump, que alertou o presidente, já em agosto, de que tinha sido vítima de um jogo de manipulação e que a realidade da pandemia estava longe de ser assim tão espetacular. O mentiroso encontrara-se com o lobo e não havia ninguém por perto para ajudá-lo. Foi o início da sua queda.

Uma das características mais fascinantes deste cenário – que, sublinho, é uma hipótese levantada pela investigação do Brownstone Intitute – é que tivemos Anthony Fauci a negar publicamente a fuga de laboratório, enquanto o circulo de Trump lhe dizia que era uma arma biológica. Fauci estava em ambos os campos da barricada, o que leva a acreditar que ele assumiu perante Trump o papel do “nobre mentiroso”, ou seja, aquele que não queria mais que proteger o público de saber a verdade amarga.

No final, esta situação retirou poder e influência a Donald Trump sob o próprio governo,  ditando-lhe a derrota nas eleições. Só lhe restou o apelo à invasão do Capitólio, com as consequências conhecidas. Nem a prometida vacina chegou a tempo. Segundo os mesmos investigadores, tal sucedeu porque o próprio Fauci atrasou o lançamento. Assim, a aposta de Trump falhou completamente, apesar de todas as promessas daqueles ao seu redor de que era uma forma garantida de ganhar a reeleição.

Quando a “ciência” se transformou num slogan

Houve um breve momento na primavera de 2020, apenas 15 dias para achatar a curva, quando houve a oportunidade de mudar de trajetória.

Na terceira semana de março, foi agendada uma reunião secreta de emergência entre o presidente Donald Trump, a Task force COVID e oito dos especialistas em saúde pública mais eminentemente qualificados do mundo. Este grupo de elite de cientistas estava programado para apresentar aos decisores de mais alto nível um ponto de vista alternativo para confinar, uma segunda opinião muito necessária. O que aconteceu? Não se sabe, mas a reunião foi cancelada, apesar dos esforços de John Ioannidis para manter as vias de comunicação abertas.

Escreve Ioannidis:

“O esforço foi criar uma equipa com cientistas de ponta em epidemiologia, saúde pública, política de saúde, ciências populacionais, ciências sociais, redes sociais, modelagem computacional, saúde, economia e infecções respiratórias. Queríamos ajudar a liderança e a Força-Tarefa. A Força-Tarefa tinha cientistas de calibre mundial como Fauci, Redfield e Birx, mas a sua incrível experiência não cobria especificamente estas áreas.”

“Inicialmente comuniquei com uma pessoa da Casa Branca, não há necessidade de criar problemas para essa pessoa nomeando, acredito que essa pessoa fez um esforço bem-intencionado, mesmo que não tenha funcionado. Não sei se a mensagem chegou a Trump ou não e não tenho ideia de quem cancelou a reunião e por que não deu em nada.”

Scott Atlas, especialista em saúde pública que esteve à frente da resposta covid na Casa Branca durante um breve período no verão de 2020, diz no seu livro “A PLague upon our House”:

Considerando todos os eventos surpreendentes que se desenrolaram no ano passado, dois em particular se destacam. Fiquei chocado com o enorme poder dos funcionários do governo de decretar unilateralmente um desligamento repentino e severo da sociedade – simplesmente fechar negócios e escolas por decreto, restringir movimentos pessoais, exigir comportamento, regular interações com nossos familiares e eliminar nossas necessidades mais básicas. liberdades, sem fim definido e com pouca responsabilidade”.

Para Atlas, “o gerenciamento dessa pandemia deixou uma mancha em muitas das instituições outrora nobres da América, incluindo universidades de elite, institutos e revistas de pesquisa e agências de saúde pública. Recuperar não será fácil.”

Terá sido Trump enganado pelos seus burocratas? Há evidências que Deborah Birx, primeira coordenadora da resposta covid na era Trump (no seu livro “Silent Invasion”) só aceitou o cargo com a promessa de que provavelmente as eleições dariam a vitória aos Democratas, além de que ela própria admite no seu livro que os “15 dias para achatar a curva” foram só o engodo para posteriormente ir aumentando as restrições.

Há também evidências que um agente das agências de informação, Matt Pottinger (que inclusivamente nomeou Birx), foi uma das principais figuras que influenciaram a decisão de Trump, tendo “falado com um médico na China” que lhe confidenciou que a covid 19 estava ao nível da gripe espanhola. Esta informação é confirmada no livro “Rage”, a segunda parte da cobertura de Bob Woodward sobre a administração Trump, publicado já durante a pandemia. 

Escreve Michael P. Senger:

“Ao longo de janeiro de 2020, Pottinger convocou unilateralmente reuniões na Casa Branca sem o conhecimento dos presentes e violou o protocolo para aumentar o alarme sobre o novo coronavírus com base em informações de suas próprias fontes na China, apesar de não ter inteligência oficial para apoiar seu alarmismo.

Apesar de não ter formação em ciência ou saúde pública, a partir de fevereiro de 2020, Pottinger embarcou em uma campanha de meses para instar a adoção de mascaramento universal e quarentenas de viagem em resposta ao coronavírus com base em informações de suas próprias fontes na China. No entanto, não parece haver uma única foto de Pottinger usando uma máscara em nenhum lugar da Internet.

Pottinger popularizou a ideia de paralisações na Casa Branca usando um estudo questionável sobre a pandemia de gripe de 1918 comparando os resultados entre Filadélfia e St. Louis, um mês antes de este estudo receber qualquer atenção significativa dos meios de comunicação em 2020.

Pottinger cortejou especificamente Deborah Birx para servir como Coordenadora de Resposta ao Coronavírus da Casa Branca, que então embarcou em uma campanha de meses para bloqueios que foram os mais longos e rígidos possíveis nos Estados Unidos.

Apesar de não ter formação em ciência ou saúde pública, Pottinger parece ter promovido a ideia de testes em massa para o coronavírus.

Pottinger parece ter endossado o uso do medicamento remdesivir como uma possível terapia para Covid com base nas informações de um médico na China.

Pottinger promoveu continuamente a conclusão de que o coronavírus veio de um laboratório e incitou especificamente a comunidade de inteligência dos EUA a fazer o mesmo, independentemente das evidências para apoiar essa conclusão, ao mesmo tempo em que instava a adoção global das medidas de contenção de vírus da China.

Pottinger pode ter simplesmente confiado demais em suas fontes, pensando que eram as pessoas pequenas na China tentando ajudar seus amigos americanos.

O zelo de Pottinger em endossar essas políticas abrangentes é ainda mais desconcertante porque é  amplamente conhecido  na comunidade de inteligência que o foco principal do PCCh é a guerra de informação – “substituindo seus valores culturais e políticos” pelos do oeste e minando os valores ocidentais que Xi Jinping vê como ameaçador, descrito em seu documento nº 9 vazado  : “judiciários independentes”, “direitos humanos”, “liberdade ocidental”, “sociedade civil”, “liberdade de imprensa” e “livre fluxo de informações na internet .”

Trump terá assim dado luz verde aos confinamentos no fim de semana de 14 a 15 de março de 2020, sob a influência de Deborah Birx, Anthony Fauci, Jared Kushner e algumas outras figuras. O estado administrativo – a máquina burocrática não eleita que o cercava e devia aconselhá-lo sobre as diversas soluções possíveis para gerir uma crise – tomou as rédeas duma administração desgovernada e liderou o caminho que conduziu à sua derrota nas eleições e à retoma do comércio com a China. Só a Dakota do Sul resistiu.

Dez dias depois, em 24 de março de 2020, Trump deu uma entrevista à Fox News na qual disse: “Adoraria ter o país aberto e estou ansioso para a Páscoa”. Mas consideremos os factos que se seguiram: Trump concordou com um confinamento de duas semanas, embora não tivesse poder direto para ordenar tal coisa. Então concordou com uma extensão de 30 dias, embora todos os relatos sejam de que estava chateado por o ter feito.

Três semanas depois, com a grande reabertura da Páscoa já passada, alguns governadores republicanos estavam prontos para desistir dos confinamentos. Nesse ponto, 36 dias após o seu pedido inicial de confinamento, Trump veio a público, tanto em uma entrevista coletiva quanto no Twitter, para criticar até mesmo os menores esforços para acabar com os seus próprios confinamentos.

Isto é o que os factos mostram, mesmo que um grande número de pessoas hoje os negue ou finja que não existem.

Em agosto, finalmente, Scott Atlas apareceu na Casa Branca. Atlas explicou virologia básica ao presidente. O economista Jeffrey Tucker argumenta a propósito deste episódio: “ (…) estendendo-se do final do verão até o outono, Trump percebeu plenamente que tinha sido enganado. Mas, em vez de pedir uma reabertura total e buscar o fim do caos que havia desencadeado, ele decidiu que o país deveria seguir em frente. Ele queria esquecer o que havia acontecido, enquanto afirmava periodicamente, sem evidências, que  osseus confinamentos salvaram milhões de vidas.”

David Stockman, ex-congressista de Michigan e ex-diretor do Escritório de Administração e Orçamento do Congresso, defende: “Donald era constitucionalmente incapaz de resistir à implementação abrangente e extensão indefinida do estratagema de duas semanas de Fauci e a razão não é difícil de entender. Ou seja, o Donald compactuou com esses ataques devastadores à liberdade pessoal e à propriedade privada porque os acompanhou com alívio fiscal e monetário maciço e medidas de resgate. E embora esses flagrantes “estímulos” fossem um anátema para a doutrina conservadora, eles estavam bem no meio do campo filosófico de Donald.”

Sabia-se desde os primeiros dias que o Covid não era remotamente uma ameaça no estilo da Peste Negra. Além de décadas de conhecimento científico sobre a gestão adequada de pandemias baseadas em vírus, existiam evidências gritantes em tempo real do navio de cruzeiro Diamond Princess. As 3.711 almas (2.666 passageiros e 1.045 tripulantes) a bordo eram sobretudo pessoas de meia idade e idosos, mas a taxa de sobrevivência conhecida em meados de março de 2020  era de 99,7 % no geral e 100 % para aqueles com menos de 70 anos de idade.

Isso mesmo. Em 10 de março de 2020, pouco antes de Donald decidir impor os confinamentos, o navio já havia sido colocado em quarentena por um mês e 3.618 passageiros e tripulantes foram sistematicamente testados e rastreados várias vezes. Entre essa população, 696 ou 19% testaram positivo para Covid, mas 410 ou quase três quintos deles eram assintomáticos. Entre os 8 por cento (286) que adoeceram, a parcela esmagadora era apenas levemente sintomática. Naquela época, apenas 7 passageiros – todos com mais de 70 anos – haviam morrido, número que cresceu ligeiramente nos meses seguintes.

Resumindo, apenas 0,19% de uma população idosa sucumbiu ao vírus. Esses fatos, que eram conhecidos da Casa Branca ou certamente deveriam ser, deixavam absolutamente claro que o Covid não era uma ameaça do tipo Peste Negra.

Não obstante pudéssemos equacionar outra forma de gerir viroses de características pandémicas, nunca houve qualquer razão para uma intervenção abrangente de saúde pública. Muito menos para a mobilização coerciva, dirigida pelo Estado, de quarentenas, bloqueios, testes, máscaras, distanciamento, vigilância, delação e, finalmente, vacinação em massa obrigatória.

Na verdade, estas tecnologias experimentais, desenvolvidas de forma desordenada sob um esquema de subsídio governamental de vários milhões de dólares de Donald, chamado Operação Warp Speed, representaram o que provavelmente foi a medida estatística mais insidiosa de todas. Por design, o programa pretendia interromper a doença por meio de vacinação em massa obrigatória, após um período de teste radicalmente reduzido que não poderia ter provado a segurança ou a eficácia das vacinas.

Os despojos do dia

Há quem defenda que o principal pecado de Donald Trump foi o ter agido contra o Complexo Industrial-Militar que constituiu a base da ascensão da economia americana desde o final da II Guerra Mundial. A Indústria da guerra teria ditado a destituição de Trump em 2018 e o covid foi o pretexto.

Eu defendo que Donald Trump não é um líder, na medida em que agrega seguidores por meio da divisão e não por meio da mediação. Acredito que, face às políticas internacionais americanas, um presidente como ele seria algo que muitos americanos queriam, mas não o que precisavam.

Um líder não pode só falar alto e grosso, tem que ser capaz de ouvir todas as vozes em momentos de tensão e conseguir confiança suficiente para que os seus subalternos o sigam mesmo que não concordem com ele.

Uma burocracia sem líder é um governo de ninguém.

Aqui acabo por concordar com o candidado presidiencial Robert Kennedy Jr: a gestão covid foi um golpe de estado da burocracia à presidência – e Donald Trump não permitiu que o seu ego aceitasse isso.

Ler também “A Culpa de Donald Trump (1)”

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