Viver na Rua Dr. António Breda, no Sardão, era nos finais dos anos 70 e 80 do século passado uma aventura e uma luta constante com as subidas e descidas do Rio que isolavam as primeiras casas ao redor do chafariz.
A maior parte das vezes conseguíamos adivinhar que vinha a cheia e para não ficar retido em casa sem poder ir às aulas, a minha mãe fazia a minha trouxa e lá ia eu acampar a casa da D. Lurdes e do Sr. António, pais do Hélder Abrantes e da Ana Rosa onde ficava para jantar e pernoitar, com direito a pequeno-almoço pois claro, antes de irmos para a escola porque pela antiga Nacional nº1 a estrada estava desimpedida.
Era uma amizade de companheiros de escola que se estendia à família e que ainda hoje se mantém até com o Sérgio Varela, o mais novo naquela altura.
A Dona Lurdes é uma mãe para mim, sinto-me na sua casa como seu filho e o sentimento é mútuo. Guarda fotografias minhas e dos meus filhos, que já têm mais de vinte anos. Não serei merecedor de tanto mas faço por isso. É visita obrigatória sempre que vou a Águeda, uma mulher a quem muito devo, tenho memória e não esqueço, mas a história que quero contar é com o senhor António Abrantes, o marido.
O senhor António era um homem alto, forte, e quando digo forte quero dizer uma força da natureza, muito calmo mas poderoso.
Tinham uma sociedade numa empresa de camionagem, os Transportes Figueira e havia uma espaço enorme onde os camiões estacionavam. Quantas vezes pegava em mim com um braço e eu não tinha medo de cair. Estava protegido.
Numas férias de verão levaram-me para o Algarve, fomos para Quarteira, fazíamos passeios pelas redondezas, fomos a Vale de Lobo e a uma praia muito bonita, eu que nunca tinha passado umas férias a conhecer sucessivamente lugares novos.
A D. Lurdes ficava no chapéu de sol ou na barraca conforme a praia e o Hélder, o Senhor António e eu íamos até perto da água sempre com muita atenção a tudo o que nos rodeava, tantas coisas novas e bonitas.
Sentados na areia à espera da melhor altura para correr para o mar, e finalmente poder mergulhar, vejo uma senhora de grande porte e volumosas formas a sair da água.
De imediato lancei o grito de guerra (não fosse o meu padrinho um açoriano) que ficou conhecido desde então:
-Baleia à vista!
O senhor António nunca mais se esqueceu e de cada vez que nos víamos era como nos saudávamos. Há quase sete anos que não o ouvimos mas sabemos que continua dizê-lo. À sua memória:
-Baleia à vista!