A tradição do Festival
Na verdade, tanto tempo passou, mas a figura do jovem espanhol Nagy, discípulo do grande Emilio Pujol, quase que escondido atrás da guitarra, no aconchego do Museu dos Condes de Castro Guimarães, em Cascais, pelos anos 60, não se esqueceu. E foi ele quem, integrando-se por completo no ambiente musical português e no da Costa do Sol, em particular, pegou no Festival de Música da Costa do Sol, patrocinado, de modo especial, pela Junta de Turismo. Joaquim Miguel Serra e Moura, o presidente, sabia bem quanto a música poderia ser – e era! – imprescindível veículo promocional da zona.

Era o tempo em que tínhamos, do outro lado da serra, o já consagrado Festival de Sintra, de enorme tradição e, deste lado, nasceu o Festival Internacional de Música da Costa do Sol, a par dos Cursos Internacionais de Música, que traziam a Cascais, no Verão, dezenas de estudantes estrangeiros para cursaram junto de mestres de renome internacional: o violoncelista Maurice Eisenberg, o violinista húngaro Sándor Végh, a pianista Helena Moreira de Sá e Costa…
Chegaram depois os tempos da miopia e Piñeiro Nagy teve de fazer das tripas coração para manter a chama. Foi mesmo difícil. Daí que, neste ano da graça de 2023, tenhamos o 49º Festival Estoril Lisboa, em que, felizmente, há um vasto naipe de entidades apoiantes e o nome teve, por isso, de mudar.
Começou este 49º Festival a 23 de Junho e está previsto que o concerto de encerramento seja na igreja da Madre de Deus, na próxima sexta-feira, 28. Passou pelos mais diversificados ambientes: a Academia das Ciências de Lisboa, o Palácio Marquês do Alegrete, o Palácio da Ega (Arquivo Histórico Ultramarino), o Largo de S. Carlos, o Palácio da Mitra, o Centro Cultural de Cascais, a Biblioteca de Alcântara, a Sé Patriarcal. Lugares diversos, programas distintos, intérpretes sempre diferentes – sempre, todavia, o mesmo nível elevado.
E completa-se também, este ano, o 59º aniversário dos Cursos Internacionais de Música: clarinete, na Escola Superior de Música de Lisboa (Prof. António Saiote); órgão, em Novembro (Prof. Xavier Artigas) e em Dezembro (Prof. Luc Ponet), na igreja de S. Vicente de Fora.
O espectáculo na Academia das Artes do Estoril
Tive ocasião de assistir ao singular espectáculo levado à cena, no sábado, 22, no auditório da Academia das Artes do Estoril (no edifício Cruzeiro).
Começou «coxo», porque o som saiu com interferências, baixo, e a voz pouco perceptível. Pena que não se tenha parado, a fim de se proceder ao necessário ajuste, até porque com essa introdução melhor se entenderia a mensagem que o espectáculo iria veicular: «Amores, desamores e dissabores… em cena!», «uma viagem ao universo coral operático em torno do amor», «um turbilhão amoroso que ressoa na voz e no corpo destes jovens cantores» (lê-se no programa).
Os textos projectados e lidos (carecia-se de melhor dicção) mostravam a progressão da história, magnificamente apresentada por um brilhante naipe de jovens, bem maquilhados e extravagantemente trajados. Eles e elas cantaram, representaram, bailaram. Com à-vontade e gosto, servidos por uma coreografia deveras original («destemida», diz o catálogo, e é verdade!), da autoria de Joana Bergano. Que quadros bem agradáveis nos apresentaram!
Um espectáculo diferente, dirigido por Rute Prates e Teresa Lancastre, em que o bel canto (a cargo do barítono Simão Nobre e da soprano Mariana Rodrigues) andou de braço dado com o movimento, acompanhado ao piano por Eurico Rosado e, num dos trechos, por um pequeno conjunto de cordas.

Ouviram-se e viram-se «Forêts paisibles», da ópera «Les Indes Galantes» de Jean-Philippe Rameau; «Servant’s Chorus», da ópera-bufa Don Pasquale, escrita por Gaetano Donizetti; o célebre «Cigarette Chorus», da ópera Carmen, de Bizet; a seguidilla «La verbena de la Paloma», de Tomas Breton; o coro de boca fechada (“The Humming Chorus»), da óperaMadame Butterfly, de Puccini; «It ain’t necessarily so», a conhecida canção que integra Porgy and Bess, ópera do compositor americano George Gershwin; e, por fim, a sempre divertida canção «knee play 1» (brincadeira com números e notas de solfejo) que faz parte da ópera «Einstein on the beach», de Philip Glass.
Esta simples enumeração dá conta da excelência do repertório que foi executado quase sem interrupção, de tal modo que os espectadores nem sempre se aperceberam que terminava um trecho e começava outro e só perto do final é que vieram os aplausos.
Um espectáculo ligado à Escola Artística do Instituto Gregoriano de Lisboa, que muito desejaríamos ver reposto.

Ficaram felizes os jovens intervenientes (estamos no 10º Festival Jovem). Ficaram felizes os familiares. Agradados ficámos todos os que tivemos a dita de, no final, calorosamente os aplaudir. Queríamos mais do que estes jovens – que por completo encheram o palco – nos haviam proporcionado.
Fotos do espectáculo: Carlos Maduro | FEL