Faleceu Edgardo Xavier (1946-2023)

Multiplicam-se nas redes sociais, designadamente no Facebook, as mensagens de tristeza e condolências pelo passamento de Rogério Edgardo Xavier, natural de Huambo (Angola), deixou-nos no passado sábado, dia 8, e as suas exéquias, em Barcarena (Oeiras), realizaram-se, com a presença de muitos amigos e envoltas num halo de mui saudosa poesia, no começo da tarde desta soalheira segunda-feira, 10 de Julho.

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Esteve muitos anos ao serviço da Estoril-Sol, no âmbito da galeria de Artes Plásticas, em companhia de Nuno Lima de Carvalho, até se aposentar. Foi, também por isso, presença assídua, com obras suas de pintura, nas exposições colectivas dessa galeria. Pertencia, de resto, à Associação Internacional de Críticos de Arte, foi comissário da Bienal Internacional de Óbidos e integrou a direção das primeiras edições da Bienal Internacional de Cerveira.

Nunca deixou de se exprimir pela pintura, mas foi de modo especial pela senda poética que caminhou, sobretudo após a aposentação:  Amor (2007),  O Canto da Pedra (2009), Corpo de Abrigo ( 2011), Azul Como o Silêncio (2014) [que tive a honra de prefaciar e apresentar], Escrita Rouca (2016).

Tenho sobre a secretária, com dedicatória de Abril de 2021, Imagine Hominum e as marés ocultas do universo (edição de Mythus de Er, Lisboa, 2021), a aguardar pausa para leitura no decorrer deste Verão.

Um misto, este, de poesia e de prosa, como que a legendar as impressivas fotografias de Ernesto Matos. Fui adiando a leitura e não resisti, agora, em homenagem a este amigo do peito e decidi-me a abrir o livro ao acaso e caí em «Morreu o Homem viva o Poeta!» (p. 132-133). Transcrevo.

«Há quem, em vida dos Poetas, se honre honrando-os. Há os que, morto o Homem, lhe saprofitam a fama e ainda outros que, porque conheceram vivo o arquétipo e o visitaram no mais sombrio de suas sombras, se acham herdeiros únicos do direito de recordar, homenagear, prantear ou publicar a obra como quem canta um Requiem».

E, evocando aí Herberto Helder, escreveu «foi embora o homem tímido», «deixou a obra a todos».

A Edgardo Xavier me apraz, agora, aplicar essas palavras. Primeiro, porque era, de facto, tímido, não se punha em bicos de pés, falava-nos com uma delicadeza suma, uma atenção quase desmedida – e se ele sabia tanto!… -, apertava-nos a mão com a força de muita amizade e preferia ouvir a falar, embora muito gostasse que apreciássemos o que fazia. Depois, porque, na verdade, tanto os seus quadros como os seus livros aí estão para quantos os queiram apreciar.

Vale a pena também dar uma espreitadela à lombada desse Imagine Hominum:

«Escrever é outro ir. Recolho em mim os sons, os cheiros, as imagens e vou onde quero, até onde me leva a inquietação ou a necessidade de viver. Quem vai nunca regressa a mesma pessoa. Carrega-se de experiência, de factos, de forças que não sabia e volta para recomeçar com nova intensidade»

A propósito dos 81 contos deixados em Loengo – ressonância da sua Angola natal, exótica, de avassaladores cheiros fortes no final das tardes a prolongar noite adentro… – tive ocasião de escrever, a 03-10-2018:

«Explica o autor, logo no início, o que se passou: onde trabalhava deixou de ter trabalho; sentia-se como que ‘na prateleira’; daí ter começado a pensar, a inventar histórias, como que ‘para passar o tempo’:

“Algumas dessas histórias e breves contos recentes integram este livro. Não tenho compromisso com a realidade factual mas projectei-me nalguns destes contos.

Nem sempre sou rigoroso porque a magia e o sonho me arrastam para utópicas paragens onde gosto de ficar. Sinto-me poeta mas ficaria feliz se o leitor me aceitasse também como escritor”».

Poeta foi, todavia. Mormente em mui serenas divagações de um lirismo sem par, a ressumar de mui suave erotismo:

«Aprendi que era magnífico o ar com os aromas do prado; que o sabor da tua boca era de mar e frutos silvestres».

Um lirismo denso, intenso, sentido; sem paroxismos; num erotismo saboreado: «Fecho os olhos e, intencionalmente cego, guardo-me inteiro, para viver as tuas palavras»; «de pensar te faço corpo». O corpo, um corpo que se percorre. Sem pressas nenhumas: «A pressa apaga a paisagem e mata o encanto. Por isso te amo melhor em dias preguiçosos». [Apontamento que escrevi, a 10-12-2013, a propósito de Azul como o Silêncio].

Até sempre, Edgardo! Recordaremos a forte agressividade dos teus quadros; continuaremos a saborear o ritmo das tuas palavras. Descansa em paz!

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