OS DONOS DISTO TUDO

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Há em Portugal uma parte da classe média cada vez mais exígua, diga-se, que canaliza uma parte das suas poupanças para produtos financeiros com taxas acima das que são oferecidas pelo sector bancário, cujo garante dessa poupança e dessa rentabilidade é o próprio Estado. São esses produtos, os Certificados do Tesouro e os Certificados de Aforro. Existem ainda os PPR. Não são produtos emanados do Estado, já têm algum risco, são Planos de Poupança Reforma, os quais têm, no entanto, algumas benesses fiscais, o que os torna atrativos, com o fim de incentivar a poupança, podendo ser resgatados a partir do final do prazo definido na contratação. Por norma acima dos 60 ou 65 anos.

A poupança mais popular e mais aliciante ao longo de décadas, por motivos que não me cabe a mim explicar, até por não dominar o assunto de forma sapiente, foram os Certificados de Aforro. Este não é mais que um título de dívida pública emitido pelo Estado Português, unicamente para particulares, com o valor nominal de 1€. Cada pessoa pode adquirir um montante máximo de 250.000€. Esse dinheiro para além de render um juro, capitaliza automaticamente.

Dentro da classe média, os maiores consumidores destes produtos de poupança são as pessoas que usufruem de reformas e empregos estáveis, com previsibilidade nas suas vidas. As pessoas que têm muito dinheiro investem mais no imobiliário e noutros produtos financeiros de maior risco, e os que não têm dinheiro, tomaram eles terem um mês mais curto, para que o seu ordenado chegue ao fim dos trinta dias.  Desta forma o Estado endividou-se cá dentro, ficando com o nosso dinheiro, com a garantia de quando o resgatarmos dentro dos prazos previstos, teremos um montante superior ao que lá depositámos. É justo e equilibrado.

 Qual é a vantagem desta poupança feita em títulos da dívida pública?

Para além de seres mais bem remunerado do que nos depósitos a prazo oferecido pelos bancos, na maioria das vezes mais de 1%, quando não mesmo acima desse valor, este mecanismo do Estado, através da sua agência financeira, o IGCP, funciona como um desincentivador à cartelização da banca. Isto porque pagando juros bastante mais altos, leva a que os depositantes prefiram comprar nos CTT, até há pouco a única entidade que podia vender estes produtos ao balcão, por exemplo, Certificados de Aforro.

Durante toda a minha vida, desde muito novo fiz certificados de aforro. Ainda me lembro bem do período em que ao fim dos cinco anos de permanência, o meu dinheiro aplicado em certificados de aforro duplicava. Estávamos no período da nossa antiga moeda, o Escudo, e as taxas de inflação tinham dois dígitos ou perto disso.

Qual a razão para a banca se enfurecer com altas taxas de juro pagas pelo Estado, nos Certificados de Aforro e nos Certificados do Tesouro?

Os bancos não passam de usurários. Toda a vida foi assim e não é agora que vão mudar. Daí ser necessário termos uma regulação eficaz, o que não acontece. Aliás, em boa verdade nunca existiu, apesar dos rios de dinheiro que se gastam com a CMVM e Banco de Portugal. O único que se atravessou diante da sua desmesurada ganância, foi o ditador Salazar, já lá vão mais de 50 anos, quando este se sentiu ameaçado no seu poder de mandar no país, com António Champalimaud. Fora disso, a banca viveu sempre em circuito fechado.

Acresce que taxas de juro generosas em títulos da dívida pública retiram depósitos à banca. E os principais aforradores são a classe média, que não é suficientemente rica para investir no imobiliário, cada vez mais especulativo, e tem algum receio nos produtos financeiros de risco, com um historial de perdas de rentabilidade, isto já para não falar de perdas totais no investimento feito. O papel comercial do BES foi um bom exemplo.

Recordemo-nos que após a Crise Financeira de 2008, o governo de José Sócrates, pela mão do seu ministro das finanças, Teixeira dos Santos, aplicou um rude golpe na rentabilidade dos títulos da dívida pública, apenas com o fim de obrigar os aforristas a canalizar as suas poupanças para o financiamento do sector bancário, que, veio a verificar-se depois, estava quase falido.

Eu até era capaz de aceitar que o Estado tomasse essa medida, alterando as maturidades e os juros dos certificados de aforro para 2,5%, se andasse a pagar no mercado, lá fora, taxas de juro nesse valor, para se endividar. Ao que sabemos o Estado tem vindo a financiar-se a 10 anos, com taxas que andam muito próximas das que pagava há dois meses pela Série E dos Certificados de Aforro, que, como sabemos, era de 3,5%.

Alguma coisa mudou, entretanto?

Mudou sim. As ameaças do sector bancário, do qual o governo tem mais medo, do que do Diabo. 

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