A avaliar por algumas notícias que passaram durante a semana, de raspão, nos media nacionais, em breve Portugal será só um país de curtas passagens para turistas ricos, para os novos turistas de caracol e para os nómadas digitais, que vão expulsando os moradores das grandes cidades. E cada vez mais, também um país para as hordas de asiáticos que cuidam da nossa agricultura industrial, mas só daquilo que os herbicidas e as máquinas não fazem.
Quase a secar a fonte das notícias que nos mantiveram entretidos, distraídos ou adormecidos – casos periféricos da TAP- durante dezenas de horas, depois de ouvidos um ex-ministro e outro no ativo, ainda houve ilustres comentadores que espremeram o caso, no domingo à noite, mas já só saíram previsões não consensuais sobre o futuro do ex-ministro das infraestruturas. Onde arranjar um caso que substituísse esta série?
A caricatura do primeiro ministro nas comemorações do 10 de Junho deu sinais de gerar algum sururu, que se esgotou entre a liberdade de expressão, o mau gosto do cartaz e a perda de credibilidade da luta dos professores. A oposição ainda tentou, no limite do desespero, transformar num caso escandaloso, uma escapadela, à socapa, do primeiro-ministro a Budapeste, a caminho da Moldova, e a duvidosa companhia do homólogo húngaro num jogo de futebol. Mas foi um mero casinho, neutralizado por outro jogo, Portugal X Bósnia Herzegovina, com Costa e Marcelo a torcerem juntos por Portugal.
Sem alarde – e se precisava! – foi notícia, na semana passada, a diminuição da diferença de salário entre jovens com formação superior e só com formação secundária, que nos últimos 10 anos desceu de 57% para 27%.
Como era previsível, os pivots limitaram-se a debitar estatísticas que não suscitaram qualquer debate. Não fora o comentador mor da SIC, LMM, com a sua pedagogia “explica-me como se eu tivesse 4 anos” e teria passado despercebida, como notícia de rodapé! Mas fez questão de acrescentar o óbvio à notícia, o comentador de serviço ao domingo a noite: repetiu os números e concluiu, pasme-se! – que com estes salários, os jovens continuarão a deixar o país, esvaziando-se assim a pátria, da “geração mais qualificada de sempre”. Senti (eu e milhões de portugueses) a falta do Ricardo Araújo Pereira, porque a questão dos salários é por excelência um programa em cheio ‘Isto é gozar com quem trabalha’.
Também sem alarde nem comentários dignos de nota, (nem sequer do LMM) soubemos que no ano 2021/2022, no ranking das boas escolas, é preciso percorrer não o top 10, não o top 20, não o top 30, mas o top 40, para encontrarmos o nome de uma escola pública. Acresce a isto que 40% das classificações atribuídas nos colégios privados foram 19 e 20 valores. E, é claro, soubemos que este insólito facto dará origem, como tantos outros, a uma rigorosa investigação, “até às últimas consequências”, ou seja, nenhumas.
De tão naturalizado, este pseudo facto de os alunos do ensino privado terem melhores resultados, como se os profs destes tivessem uma ética do trabalho e no público fosse uma bandalheira, a notícia já não suscita perguntas, indignação, protestos, manifestações, ou sequer um comentário. Nem da tutela (que promete averiguar o fenómeno dos muitos 19 e 20), nem de sindicalistas, nem de professores, porque tal conclusão é de tal forma insultuosa para estes que os deixa tolhidos de indignação. E logo neste ano em que a luta da classe atingiu níveis nunca antes alcançados.
Para quem só ouve ou lê as gordas, tendo por certo que muitos são pais e mães, a ideia que fica é que na educação, como na saúde, é preciso acabar com este “socialismo”, como dizem alguns betos da política, e privatizar tudo!
Mas ter 19 e 20 valores para quê?
Para entrar num curso de medicina, de engenharia aeroespacial ou de arquitetura, endividarem-se os pais para pagarem o alojamento e as propinas e meia dúzia de anos depois terem filhos graduados, pós-graduados, que conseguiram um bom emprego, mas não um salário que lhes permita arrendar ou comprar uma casa, casar, ter filhos, a menos que emigrem?!
Portugal tornou-se um país onde é preciso ser milionário para comprar uma casa, onde a classe média de jovens doutores e engenheiros recebe subsídios de renda de casa, onde acontece que até se pode ganhar melhor num call center do que num atelier de arquitetura!
Quem teve tempo para ouvir rádio, ficou também a saber que as profissões do futuro próximo, com emprego assegurado em qualquer parte do mundo, segundo dados do Fórum Económico Mundial, serão ligadas à digitalização, inteligência artificial, robótica e sustentabilidade.
Então, força aí, nos testes vocacionais! Orientemos todos os jovens para as tecnologias de ponta. Para quê as sociologias, as filosofias, as filologias, as artes, as humanidades…?
Para quê ensinar jovens a pensar a história, a cidadania, a democracia, a justiça, a solidariedade, a igualdade, a sobrevivência do planeta, se nada disto lhes assegurará, no futuro, uma agenda de trabalho digno?
E para garantir que teremos hortaliças para a sopa, tomares para a salada e frutos vermelhos para a sobremesa, poderemos, cada vez mais, contar com indianos, nepaleses, afegãos e outros asiáticos, para quem uma camarata num contentor é uma moradia de luxo (também a autoridade para as condições no trabalho irá averiguar até às últimas consequências).
“Deixem-se dessas tretas pedagógicas. Isto é para dar dinheiro” – dizia despudoradamente um diretor de uma escola privada, que tive o desprazer de conhecer.
Se os jovens, médicos, professores, jornalistas e dezenas de outros profissionais não têm hipótese, a curto prazo, de viver em casa própria, e se seguramente não haverá daqui a meia dúzia de anos, só experts em robótica, IA e afins, tenho uma ideia melhor: estimulemos as nossas crianças, em idade bem precoce, para serem influencers! Dizem-me que se ganha uma pipa de massa. Mas não se trata de influenciar com ideias. Ter ideias é um desperdício de tempo. Basta mostrar como usar um bâton, um cabelo de corte invulgar, umas calças que parecem saídas das lixeiras de roupa, fazer uns vídeos engraçados, divulgar nas redes e em breve será um/uma influencer de renome. Não digo que não sejam precisos uns meses para se tornar uma Kardashian ou uma Gio! Mas sejamos claros: também não precisa de começar exibindo carteiras de dezenas de milhares de euros ou joias de milhões. Para isso talvez precise de um ano ou dois.
Disse-me uma amiga, muito entendida em redes sociais, que há mulheres a ganhar muito dinheiro a ‘postar’ fotografias dos pés. Parece que alimentam fantasias sexuais de muitos homens. E afinal, se tantas postam diariamente milhões de fotografias, do seu melhor ângulo, da sua melhor curva, do seu mais recente botox, o que há de extraordinário em mostrar, nas redes próprias para fetichistas sexuais, um belo pé de deusa grega, descalço ou em sapato de salto de agulha e ganhar dinheiro com isso?! Afinal são só pés! Pés livres… até do mau cheiro!
Pois. Cativante análise, escalpelizada, arguta, demolidora.
Parabéns, Alice!