Uma das características de Marta Gameiro é a persistência. Afirmação que não corre o risco de ser desmentida, mesmo não conhecendo bem a pessoa em questão. Periodicamente, o nome dela surge nos media: organizou um Congresso Internacional sobre Gestão de Pandemias (Fátima, outubro de 2022); organizou uma petição sobre a necessidade de se discutir a adesão de Portugal ao Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias, que foi defender na Assembleia da República em fevereiro deste ano. Agora, Marta Gameiro regressa com nova petição, mais ambiciosa, para se aprovar um referendo sobre a adesão a esse tratado.
“As democracias e as sociedades sãs assentam no racionalismo e na honestidade. Podem não o demonstrar sempre, mas estes valores devem estar na base das grandes decisões. Sem eles, nem a democracia nem a justiça são sustentáveis. São substituídos por uma estrutura em que poucos ditam a muitos, e os excessos do feudalismo, da escravatura ou do fascismo tornam-se dominantes”, está escrito na apresentação da petição, como argumento para a realização do referendo.
60 MIL ASSINATURAS EM SEIS MESES
Marta Gameiro pensa que o Diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) tem demasiado poder, sendo que pode estar nas mãos de interesses particulares, por via das fundações privadas que hoje financiam a OMS.
Sobre tudo isto, conversámos com Marta Gameiro.
É uma iniciativa pessoal ou está a dar a cara por algum grupo de cidadãos?
Esta iniciativa surgiu na sequência de uma outra petição que submeti no ano passado e que fui defender na Assembleia da República no passado dia 16 de Fevereiro. Nessa petição, eu apelava apenas a que o Parlamento tomasse em atenção o que se estava a passar na OMS e que submetesse a referendo a participação de Portugal num Novo Tratado Pandémico, que se começou a ouvir falar em inícios de 2022. Reuni mais de 8000 assinaturas, tendo sido validadas 7660, pelo que a petição terá de ser obrigatoriamente discutida em plenário.
A questão é que já tive uma outra petição que chegou a plenário (Petição contra a vacinação covid de crianças e jovens), tendo demorado cerca de 18 meses até ser discutida e, consequentemente, reprovada. Por tal, sinto que só levar a plenário não chega. A petição será ignorada pelo público em geral se não houver algum tipo de atenção da imprensa nacional e muito facilmente é adiada até já não ter qualquer tipo de relevância.
Por outro lado, sendo este um governo de maioria absoluta, basta o PS não se querer meter por estes caminhos e o assunto é encerrado. Aguardo há mais de dois meses por um simples relatório da Comissão de Saúde do dia 16 de Fevereiro.
Posto isto, sinto que devo algo às mais de 8000 pessoas que assinaram a petição original e devo tentar ir mais além e conseguir as 60000 que permitem a realização de um referendo por iniciativa dos cidadãos. Estou em contacto com várias pessoas por todo o mundo que acompanham as reuniões da OMS e que tentam o mesmo tipo de iniciativas nos seus próprios países.
Como acha que os deputados olham para estas iniciativas dos cidadãos?
Há um problema na nossa democracia: pouca gente acredita nela ou que ela funcione. Além disso, somos um país com uma preocupante alienação política, como se comprova pelo número de pessoas que costuma aderir a manifestações. Daí que, quando se trata de defender os nossos interesses, frequentemente o cidadão comum sente-se desorientado e não sabe sequer por onde começar. Além disso, a burocracia que se tem de ultrapassar é tão desgastante e de tal modo fora do contexto do quotidiano, que facilmente se chega à conclusão: não é possível, isto não resulta.
Ora, os deputados sabem isso. Aliás os deputados têm consciência que dentro da Assembleia da República por vezes joga-se a lei da selva e vence quem consegue ter maior jogo de cintura e maior conhecimento das rasteiras da lei. Na última vez que assisti a uma sessão plenária fiquei impressionada com a quantidade de tempo que se perde em demagogia e sem falar nada em concreto. Fez-me lembrar as críticas ao parlamentarismo que lia na adolescência nos livros do Camilo Castelo Branco.
Outra questão é o tipo de argumentação que se leva, o tipo de discurso. Se não agradar, facilmente somos conotados a uma determinada ideologia – mesmo que não nos identifiquemos minimamente com ela – e novamente o assunto é encerrado.
De modo que julgo que os deputados olham para estas iniciativas com o nível de atenção que elas têm mediaticamente. Se for “zero” a cobertura mediática, é “zero” a atenção que vão ter. Tudo se traduz em votos no final.
Tem prazo para alcançar os objetivos com esta petição?
Preciso de 60.000 assinaturas validadas, como tal vou apontar para as 100.000. Vou tentar recrutar pessoas para me ajudarem. Julgo que na próxima Assembleia Mundial de Saúde, que se realiza este mês, ainda não vão decidir nada e que estão a apontar para 2024. Como tal, o meu objetivo é submeter a proposta de referendo em Dezembro. Daqui a 6 meses.
Acredita mesmo que há uma possibilidade de sucesso, impedindo a adesão de Portugal a esse tratado?
Preciso de salientar que eu NÃO sou contra uma instituição como a OMS. Eu acho que a OMS faz todo o sentido e que o esforço conjunto entre países em prol da saúde comunitária é um ideal nobre, que deve ser perseguido com diálogo, solidariedade e uma base científica muito sólida para intervenções coletivas. Mas a OMS atual já não é a OMS que se formou a partir dos códigos de Nuremberga. Algo mudou e isso eu não posso aceitar.
De uma instituição como a OMS pretende-se transparência e, principalmente, independência, assim como uma completa isenção de conflitos de interesses. E isso não se verifica. Neste momento o seu financiamento é maioritariamente de mecenas privados que ditam em que direção o dinheiro tem de ser aplicado. A forma como se gere a saúde está a ser alterada para um modelo em que poucos decidem o futuro de muitos, com muita pouco investimento em sistemas de saúde e excessivo direcionamento de recursos para produtos, que depois é preciso obrigar os cidadãos a adquirir.
É da saúde das pessoas que estamos a falar! E mais profundo que isso: da liberdade de escolha sobre o que fazer com o nosso corpo.
O que se viu na gestão da pandemia Covid foi o reflexo desse modelo novo de olhar para a saúde. A OMS abandonou todas as evidências que tinha de estudos anteriores que apontavam que os confinamentos não funcionavam. Desprezou por completo o bem estar físico, psíquico e social (a sua própria definição de saúde) e enveredou por uma odisseia de testes, apps de rastreamento, máscaras e “vacinas” em tempo recorde. Os hospitais dividiram-se entre alas com pacientes com covid e alas com pacientes sem covid, o que levou ao seu total colapso, tanto a nível de recursos humanos, como de logística.
E tudo isto porque a maioria dos governos decidiu seguir as orientações de quatro fundações privadas.
Há quem não concorde com o referendo porque acredita que o povo vai votar massivamente no “sim” e que, de qualquer forma, nada disto foi constitucional. Eu não concordo com isso. A gestão covid provou largamente que em caso de “emergência” tudo é autorizado e o resto logo se vê. Havendo debate honesto e líderes de opinião credíveis, penso que o final é uma incógnita.
Sugiro três perguntas na minha proposta de referendo. Qualquer pessoa pode votar contra o Tratado e as Emendas e no entanto achar que devemos permanecer na OMS haja o que houver.
Se o referendo acontecer já considero uma vitória. Se o “sim” às propostas internacionais ganhar, apenas ficaremos onde já estamos. Mas ao menos tentei.
Se quiser assinar a petição sugerida por Marta Gameiro, pode seguir este LINK.