É difícil encontrar uma borboleta na vasta história da humanidade, até porque a História tende a repetir-se, mas nunca da mesma maneira. Os historiadores dedicam a sua vida a tentar encontrar estas borboletas nos padrões de comportamento humano, nem sempre com sucesso. Por vezes faltam documentos, faltam evidências, faltam testemunhas, e os factos por si só nem sempre permitem interpretações rigorosas. Mas a história da pandemia de Covid-19 foi altamente documentada – continuará a sê-lo – pelo que podemos tentar encontrar a nossa borboleta.
Há três sentimentos e emoções que me ficam da estratégia de combate à Covid-19: medo, desorientação e boas intenções. Se o medo é muitas vezes o motor da história da humanidade, não o são menos as boas intenções. Tal como o ódio, o querer o bem – nomeadamente a nossa visão do bem – produz com frequência o efeito oposto daquilo que desejávamos: mais sofrimento.

Em 1789, a Revolução Francesa deitou por terra a maior monarquia absolutista do Antigo Regime, cuja nobreza, encerrada em Versalhes, sucumbiu por fim aos ideais iluministas que varreram as ruas, nas palavras “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Mas se os ideais eram louváveis, o período de Terror que se viveu a seguir – culminando com a guilhotina de Robespierre, uma das figuras da revolução – veio provar pela primeira vez o perigo de tudo ser desculpável e válido desde que mascarado de boas intenções.
A nossa cultura cristã estimula-nos a fazer boas ações, mas a caridade só por si tende a estar mais preocupada com o indivíduo que a pratica do que com o indivíduo que a recebe. Esta discussão não é nova, nem minha: o altruísmo genuíno não precisa de câmaras de televisão ou redes sociais, pratica-se e pronto. Quem faz o bem de forma desinteressada e inconsciente tende, inclusive, a ser perseguido no próprio tempo.

Em 2013, um analista de sistemas, que trabalhara para a CIA e para a NSA, Edward Snowden, tornou-se conhecido por tornar públicos detalhes de vários programas que constituem o sistema de vigilância global da NSA americana. Na sua autobiografia, Snowden reconhece-se um idealista, admitindo a sua perturbação ao constatar a dimensão da vigilância norte-americana e como esta era efetuada ao nível mais íntimo de cada cidadão norte-americano, sem que o povo comum dela tivesse consciência.
Mas se os EUA escondem até certo ponto que o fazem, o mesmo não acontece na China. De uma forma geral, as práticas de vigilância chinesas são reconhecidas e até elogiadas, sendo tão antigas quanto o regime comunista chinês. Um desenvolvimento recente desta vigilância é o sistema de crédito social. Algo tão simples como comprar um bilhete de autocarro pode estar vedado a uma pessoa “mal comportada” que ousa ter opinião política e manifestá-la. O que representa este cenário no tempo das redes sociais?
O modelo de negócio das redes sociais encontra-se não na venda de publicidade, mas na venda dos metadados originados pelo comportamento dos utilizadores, nomeadamente para um mercado paralelo que vive da tentativa de prever os apetites dos consumidores. De cada vez que se compra um livro na Amazon, se procura uma viagem no eDreams ou se vai ao Google procurar algo como “quais os sintomas da Covid-19?”, gera-se um rasto comportamental que diz ao analista de dados não propriamente em que estamos a pensar, mas o que estamos a fazer e quais as nossas preocupações no imediato.

Os sistemas de vigilância como os que são usados nas redes sociais são um fenómeno resultante do 11 de setembro e foram desenvolvidos, num primeiro momento, pelo Departamento de Defesa norte-americano, no intuito de proteger a sociedade contra atos de terrorismo. Posteriormente, a Google começou a definir perfis de utilizadores, consoante as métricas de comportamento, para direcionar informação. Tal metodologia viria a ser usada, e bastante elogiada, por Barack Obama para vencer as eleições, direcionando a sua mensagem aos utilizadores mais em dúvida.

Não foram questionadas as boas intenções de Obama, mas instalou-se o pânico quando, em 2016, Donald Trump começou a fazer o mesmo. Sendo uma figura conhecida do meio mediático, e não propriamente pelas melhores razões, o tom e a postura de Trump, a sua capacidade de ir ao encontro das preocupações das massas, alertaram só então os media para o lado negativo das tecnologias associadas às redes sociais e, de uma forma mais ampla, à própria vigilância.
O que tem tudo isto a ver com o Covid?
Estou convencida que o Brexit e a vitória de Donald Trump em 2016, a guerra comercial EUA- China que atingia o rubro em 2019 e a perda de influência dos media tradicionais que se acentuou com as redes sociais criaram a tempestade perfeita para o caos que se viu em Março de 2020. São as nossas borboletas.
Em 2020 Yuval Harari, consultor do Fórum Económico Mundial, defendia que o Covid seria a oportunidade perfeita para as pessoas aceitarem ser mais vigiadas. Uma das ferramentas seria os passaportes de vacina, o que, para alguns teóricos, é a concretização de um tipo de neo-feudalismo tecnológico.
O problema é que ainda vivemos em democracia e as boas intenções têm que respeitar as instituições, a maioria delas altamente burocratizadas. Mas tudo se tende a resolver com dinheiro, sobretudo quando a sua finalidade é a caridade. É aqui que chegamos à OMS, a entidade das Nações Unidas que tem o poder de declarar pandemias e fazer recomendações.
As falhas da OMS na pandemia são vastas. Um breve resumo incluiria: recomendar que todas as nações sigam um modelo de confinamento em fevereiro de 2020, quando o seu próprio relatório sobre mitigação de pandemia de três meses antes não mencionava a palavra bloqueio uma única vez; ignorar estudos sobre testes anteriores de confinamento durante o surto de Ébola na África Ocidental, que concluíram que eles falharam.

A OMS, na sua origem, era unicamente financiada pelos Estados nacionais. Atualmente as contribuições privadas são 80% do financiamento. As doações da Fundação Bill e Melinda Gates, por exemplo, equiparam-se às do governo americano. Tudo isto tem grandes implicações políticas.

Os princípios fundadores da OMS consagraram um modelo de saúde comunitário de baixo para cima, definindo a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. No entanto, a OMS atualmente está empenhada em alterar as emendas do Regulamento Sanitário Internacional e em instituir um novo Tratado Pandémico que permitirá ter o controlo absoluto de qualquer crise real ou potencial que possa ameaçar a Humanidade, sem qualquer tipo de transparência e de forma completamente unilateral.
Não é coincidência que o recuo do modelo de saúde liderado pela comunidade para uma governação de saúde global de cima para baixo tenha coincidido com esta mudança no financiamento.
E voltamos à Revolução Francesa e ao perigo de tudo ser válido quando encapotado sobre a forma de “boas intenções”. Desengane-se quem acha que é uma nova forma de capitalismo caritativo o que se prevê, quando temos uma OMS a querer encerrar-se novamente em Versalhes.
Em última análise, o que foi o covid? O que no diz a teoria do caos? Enfim, que é só o bom e velho capitalismo a destruir-se a ele próprio.