A RATOEIRA EFICAZ

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Por esses Agosto e Setembro, vinham de África as felosas brancas, como lhes chamávamos. As figueiras ofereciam o seu manjar, nos troviscos aquelas baguinhas alaranjadas eram saboroso petisco!…

Será a felosa ibérica. Distinguíamo-la da felosa preta ou toutinegra, de cabeça bem escura. Havia também os pardais, os fuinhos e os piscos, de papo alaranjado; a ideia é que estes, os piscos, vinham na altura da azeitona.

Tempo de férias, tempo de ir armar aos pássaros, antes de abrir a caça à rola e ao coelho, que essa era para os adultos; nós, as crianças, caçávamos com fisgas e, sobretudo, armávamos aos pássaros, ou seja, preparávamos ratoeiras. Era o tempo das agüidas, as formigas de asa que serviam às mil maravilhas para isco: prendíamo-las pelo abdómen no gatilho e, assim, deixávamos-lhes as asas livres para tremeluzirem e brilharem ao sol e serem o isco ideal. Armávamos nos troviscos, nos silvados e fazíamos poisos na terra debaixo das figueiras.

Conhecíamos razoavelmente os arredores de casa, onde passarada havia e escolhíamos, por isso, os sítios ideais para, ao final da tarde, trazermos, ufanos, dependurados pelo bico à cintura, no aro de arame, 4 ou 5 pássaros, que teríamos de seguida de despenar com todo o cuidado, que era a tarefa mais aborrecida. Quando lográvamos dez bicos era uma festa e, então, se havia uma ratoeira que nos dava pássaro a cada volta, uma beleza!…

“PASSARINHOS” APRESSADOS, MULTA NA CERTA

Moro agora onde, nos anos 50, era um mato de bons carrascais e troviscos. Nos terrenos de trigo pela colina do depósito de água havia cabeceiros à farta e bastavam duas ou três cavadelas para nos abastecer os frasquinhos de agüidas para dois ou três dias.

O mato desapareceu, mas a urbanizada Rua Fernão Lopes transformou-se na ratoeira eficaz, com meia dúzia de poisos excelentes. E é de ver diariamente os caçadores a apanharem quem se deixou ludibriar. Às vezes, vêm a pé desde a vila até ali, o que não deixa de ser um bom exercício matinal; a maior parte das vezes, deslocam-se, porém, naqueles miniveículos eléctricos, estacionam, fotografam e tomam notas.

O «pássaro» viera apressado, que tinha consulta no hospital, estava atrasado, havia lugares do lado norte, estava a placa P convidativa e… porque não aproveitar? Abençoado lugarzinho que o meu guia espiritual deixou mesmo para mim! Com a pressa, nem se dá conta de que, do outro lado, há placa a identificar estacionamento pago todos os dias, de manhã à noite. Aliás, até o parquímetro está meio escondido na praça de táxis, bem lá adiante. E o condutor cai na esparrela que nem felosa branca em cata de agüida! A ratoeira eficaz. Dá sempre! Mais vezes fizessem a ronda, mais passarada apanhavam!…

Um dos nossos cuidados de rapazes era o de dissimular bem a ratoeira, para que o pássaro não desconfiasse. Assim, na Rua Fernão Lopes, placa e parquímetro estão do lado direito, onde não se estaciona, e passam despercebidos às mil maravilhas. Lugar, portanto, para excelente caçada diária. E os caçadores sabem-no bem! Os pássaros é que ficam perplexos, quando, dias depois, recebem a mensagem no ninho!

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