Toda a sorte do mundo, Sahima Hajat

Há uns vinte anos, era o meu filho uma criança de tenra idade, eu e a minha cara metade optámos por ter apenas uma aparelho de televisão em nossa casa. Um modelo de última geração, com um ecrã generoso, mas que permitisse desfrutarmos dos programas televisivos com a melhor qualidade de imagem e som que a tecnologia hoje dispõe no mercado. É claro que abdicámos dos múltiplos aparelhos mais pequenos, espalhados pela casa, dos quartos à cozinha

0
1285

Essa medida profilática permitiu que passássemos a ver televisão em família. A estarmos todos juntos, procurando consensos quanto à programação a consumir. Evitou-se assim, que cada um se encurralasse no seu cantinho, vendo apenas o que lhe apetecia, mas ficando horas isolado num quarto, como um recluso. Ver televisão em família, seja um filme, uma peça de teatro, um musical, até uma entrevista ou debate político, só traz vantagens. As pessoas interagem entre si e auto avaliam-se. 

Não sou fã de programas culinários. Não que eu não seja um bom garfo, mas aquilo não me seduz, ao ponto de querer perceber como é confecionado. Desde que seja saboroso, isso basta-me. Vou acompanhando esse género televisivo aos soluços, com pouca atenção, esperando mais pelo final de cada prova, para desfrutar a decoração do empratamento feito pelos concorrentes e as avaliações dos comensais. Há uma coreografia na gastronomia que me impressiona pela luz que desponta em cada iguaria. Assim, vendo televisão na companhia da família, sou arrastado por vezes para os tais programas cuja temática é a culinária. Querendo estar junto dos meus, resta-me a opção de aceitar partilhar alguns dos seus gostos. 

Foi assim que me dei por vontade própria e arrastado pela minha mulher, a ver o Masterchef, aos sábados à noite, na RTP. Quando não podia ver no dia em que era transmitido, ou porque saiamos ou porque tínhamos visitas, lá íamos à posteriori buscar a gravação para o vermos. 

Masterchef Portugal, RTP

Desde o início que reparei numa candidata muito humilde e singela, com uma educação fora do comum, chamada Sahima. A senhora é originária de Moçambique, a minha terra natal. Tez morena e um olhar terno, Sahima Hajat é uma mãe muçulmana, cozinheira por opção e necessidade, com origens remotas na Índia. Veio para Portugal há alguns anos. Sempre com o seu “hijab” cobrindo-lhe a cabeça, o charme discreto desta candidata sobressaía dos demais concorrentes, de forma serena. Sem entrar em choque com os colegas e com um ar apaziguador nas várias discussões entre eles. Ao longo das semanas desdobrou-se em múltiplas tarefas na cozinha, fazendo brilhar os seus pratos com os temperos e as especiarias do oriente. Quando víamos as refeições confeccionados por Sahima, sentíamos o cheiro da sua comida. Os odores da Costa Oriental de África. Ganhou um Pin numa das provas, que a poupava a uma eliminação prematura, o qual nunca usou em seu benefício, indo sempre a jogo com os outros concorrentes. Mulher com enorme  talento culinário, aprendidos com a sua mãe e avó, generosa e amiga dos outros concorrentes, esta muçulmana pareceu-me uma força da natureza. 

Masterchef Portugal, RTP

Sahima é mãe de três filhos e foi, curiosamente, uma das crianças que a inscreveu no concurso Masterchef, que acabou por vencer. 

Só posso dizer que tenho um orgulho enorme nestas mulheres e homens do meu país, independente da sua raça, do género ou do credo que professam, tentando fazer-se à vida com o melhor do seu talento e esforço. Toda a sorte do mundo, Sahima. 

Masterchef Portugal, RTP

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui