A maioria dos jornalistas ganha mal, um pouco à semelhança do que se passa na generalidade das classes profissionais em Portugal. É verdade que há alguns milionários na profissão, mas os casos de ordenados chorudos são relativamente poucos e, quase sempre, apenas premeiam os “papagaios” televisivos.
Não há um único repórter que tenha um nível salarial equiparado ao de um pivot de jornal televisivo. Não há um. E, no entanto, são os repórteres que fazem todos os conteúdos de um noticiário, seja num jornal, na rádio, no site ou na televisão. Sempre foi assim.
E quanto toca a despedir, os critérios de escolha variam entre ser mais velho e, portanto, mais bem pago, ser menos acomodado a injustiças praticadas na empresa, ser notoriamente melhor profissional que as chefias ou não ir para a cama com quem manda. Dizer não nunca foi coisa bem vista. Nem mesmo nas redações.
Há quem pense que os jornalistas têm o que merecem, genericamente falando. Por serem uma classe profissional acobardada. Na verdade, num setor onde os aumentos salariais rareiam, também têm sido raras as greves e as manifestações públicas de protesto.
Hoje, ficámos a saber que há vários conflitos em surdina em diferentes redações. Na rádio TSF, do grupo Global Media (GMG), os trabalhadores fizeram um plenário para pedir mais dinheiro à entidade patronal. Na SIC, 150 trabalhadores protestaram em silêncio por aumentos salariais. Não se ouviu nada, cá fora.
Também na LUSA, no Jornal de Notícias, na TVI/CNN, no jornal A Bola, na RTP, há conflitos laborais latentes ou em curso. Nuns casos porque as empresas estão em novos processos de redução de pessoal, noutros porque os aumentos salariais propostos pelo patronato são inferiores a 1 euro por dia.
O Sindicato dos Jornalistas (SJ) diz estar “a acompanhar as várias situações”, mas não se nota qualquer eficácia nesse acompanhamento. Há décadas que o setor tem vindo a ser maltratado e o jornalismo cada vez mais desconsiderado. O sindicato não tem tido uma ação capaz de reverter a situação cada vez mais precária dos profissionais.
O SJ é um sindicato enfraquecido. Em muitas redações, a maioria dos jornalistas não está filiada no sindicato. No final do ano passado, para tentar contrariar essa realidade, o SJ lançou uma campanha de angariação de sócios um tanto estranha. Prometia os habituais descontos em seguros, transportes, viagens, hotéis, mas dava uma borla nas quotas até abril de 2023. Esqueceram-se de leiloar um automóvel…
Está notícia não é de estranhar, por muito que nos custe aceitá-la.
O jornalismo está em crise em todo mundo, não é só em Portugal. Também é verdade que ainda há bem pouco tempo havia uma proliferação de meios de comunicação social injustificada, face ao número de habitantes e área geográfica do nosso país. Isto sem contarmos com a imprensa regional.
Depois, em vez de termos duas ou três faculdades a ministrar cursos superiores de jornalismo, temos para aí uma dúzia. Isto sem falarmos nos numerosos advogados que invariavelmente se dedicaram ao jornalismo.
Mais do que a perda de qualidade dos jornais, nomeadamente a nível editorial, há os que resistem com um esforço enorme dos seus profissionais, foram as redes sociais que contribuíram para esta degradação e extinção de alguns títulos, e, claro, da precarização da profissão.
Muito boa gente, infelizmente, prefere o Big Brother das redes sociais, a ler um jornal. Prefere ler banalidades, tretas e mentiras descabidas, fingindo que está a ler notícias, a ler um diário ou semanário. Porque ler um jornal, ver e ouvir uma reportagem ou ler uma análise fundamentada em factos e notícias, mais do que custar dinheiro, dá trabalho à nossa inteligência e memória. Obriga-te a raciocinar. A, por exemplo, consultares um Atlas e ver onde fica determinada localidade mencionada na notícia. Ou a ires procurar um livro de História ou uma obra literária, de onde foi extraída uma parte da informação que contextualiza a notícia.
Quando se iniciou a invasão da Rússia à Ucrânia, procurei eu e muitos, perceber onde se enquadrava todo aquele território, no actual mapa estratégico ocidental.
A política devia andar à frente da economia, e não a par ou atrás dela, como acontece neste pobre país. Se assim fosse, as medidas eram tomadas a montante e não a jusante, a reboque dos acontecimentos.
Digo isto porquê?
Após o período do PREC, onde grande parte dos títulos estiveram intervencionados pelo Estado, o poder político devia ter criado mecanismos constitucionais, para que o jornalismo como instrumento de defesa da liberdade de expressão e um garante da democracia, ficasse nas mãos dos jornalistas.
Não me choca que os meios de comunicação social sejam privados. E, sinceramente, até acho que devia ser sempre assim, ainda que o Estado reserve para si, um exemplar de cada espécie. Agora essas empresas privadas nunca poderiam ter capitais próprios, que não os de alguém que exercesse a profissão, com carteira profissional. Enquanto tivermos celuloses, eléctricas, petrolíferas, a mandar em jornais, ou outros grupos empresariais que nada tem a ver com o jornalismo, os órgãos de comunicação social tendem a ser a voz do dono. Eu sei que há excepções. O jornal “Público”, da Sonae, é um bom exemplo disso, na actualidade. Mas ninguém me garante que será sempre assim. Até porque, num passado não muito longínquo, este mesmo jornal teve um director e um conjunto de colaboradores e analistas, que se passaram em peso para o “Observador”, uma espécie de órgão não oficial do PSD.
Jornalismo deste tipo dispenso. Quero ler a notícia, o comentário, a análise e o contraditório. Até desmentidos. Não quero ser catequizado.
Não sei… na Ásia, por exemplo, parece que a crise dos jornais não existe. E não se trata de uma questão de regime político, uma vez que, à luz destes exemplos, não há qualquer semelhança entre regimes dos países. Os três jornais mais lidos no mundo são japoneses: o Yomiuri Shimbun tem tiragem acima de 101 milhões; o Asahi Shimbun, de 8 milhões; e o Mainichi Shimbun, 4 milhões. Por dia. Na Índia, a tiragem do Times of India, por exemplo, do indiano Times Group, aumentou para 4 milhões. Na China, o Diário do Povo tem uma tiragem diária superior a 2,5 milhões de exemplares e 300 milhões de visualizações na edição digital. A escala conta, mas mesmo em termos relativos, estamos a falar de sucessos editoriais em diferentes ecossistemas políticos. Ou seja, há uma solução.