Os mais “antigos” talvez ainda se recordem desta “cenaça”. Em plena ditadura, quando iniciei a minha carreira médica, cedo percebi que havia três medicamentos omnipresentes no “receituário nacional”: o Enterobiofórmio e o Mexafórmio, que serviam para travar todo o tipo de desarranjos intestinais e não só; a que se juntava o “Aguentofórmio”, um produto genuinamente nacional destinado a quem não podia dar-se ao luxo de recorrer à medicina.
Entretanto, a Saúde dos portugueses evoluiu de forma notável, tendo Portugal construído facilmente um SNS que honra muitas das melhores práticas do mundo e ainda mantem algum respeito por direitos cívicos, consignados na nova Constituição.
Um percurso que se adivinhava promissor, mas que, cedo entrou em degradação, “orientado” por uma nova classe de gestores políticos, na sua grande maioria “boys e girls” sem nenhuma noção de planeamento e gestão de recursos, técnicos e humanos.
Mais outro grave desvio terá ainda de ser assinalado, pois é igualmente responsável pelo défice crónico que conduziu à crise atual. Há cerca de dez anos, antes de ser “corrida” do cargo, a PGR Joana Marques Vidal bem o referiu: combater a corrupção na área da Saúde era uma das grandes preocupações da Magistratura.
Palavras leva-as o vento. A esbracejar numa onda que até meteu almirantes, o “charco da governação” nem buliu, enquanto a comunicação social silenciava as vozes lúcidas e reverenciava aqueles que, como amplamente denunciei, “nem uma capoeira sabem gerir”.
Entretanto assumiu a pasta um médico bom conhecedor dos bafientos cantos da casa, a quem, em benefício de dúvida, desejei felicidades perante a “morte temida” do SNS, que se avizinhava. Não, sem antes ter afirmado que, por mais competentes que fossem os nomeados, reforçar verbas e mudar duas ou três pessoas nada adiantava, antes seria preciso uma “varridela geral” e a reorganização de quase todas as práticas, dentro do Ministério da Saúde.
Mais uma vez tive razão antes do tempo. Meses depois, como uma manta cheia de buracos que não pode abrigar todo o corpo, aconteceu o impensável. Pela primeira vez nesta escala, desapareceram do mercado nacional centenas de fármacos: alguns vitais, enquanto o Ministério da Saúde comparticipa lautamente muita “farinha” sem evidência científica comprovada. Porquê? Por manifesta ausência de planeamento e de controlo, mas também, pela prevalência de interesses ocultos instalados e nunca averiguados.
Sem centenas de fármacos nas prateleiras das farmácias, consta que o medicamento com mais “saída” voltou a ser o velho “Aguentofórmio”. E não podia deixar de ser assim, se a “receita” até foi prescrita pelo primeiro-ministro, recente autor de uma “orientação” muito em voga.
– Aguentem-se! – assim determinou e mandou publicar.
A ironia mais verdadeira que já vi.
O barco está roto e ninguém o sabe consertar.
Só há dinheiro para o que eles querem e lhes interessa.
Bandalheira Nacional
Ana C.
Ironia partilhada que, pessoalmente e tendo passado largos anos da minha vida muito próximo destas realidades, subscrevo na íntegra.
Jorge C.
Lamento a situação de saúde em que vivemos.
Pelo que o Dr. Cândido Ferreira descreve e diz “aguentem-se”.
Que remédio temos nós?
Corrupção a todos os níveis, no nosso país.
Fico por aqui!
Maria S.
Sábias palavras e boa medicina até para este tempo “fresquinho” que se faz sentir
Hoje saiu um sorriso do que li.
Obrigado
António E.
Muito obrigada pela partilha, Amigo! Eu já deixei de rir por não ser capaz e de chorar por terem secado os sacos lacrimais. Agora a minha saúde mental só se aguenta quando estou com os netos ou então oiço concertos no Mezzo!
Vanda M.
José Belchior
30 de janeiro de 2023 19:30
Muito boa!
Obrigado.
O SNS, como toda a função pública, está viciado.
Limpeza precisa-se! É urgente começar de novo!
Defenderia não o Serviço, mas o Sistema Nacional de Saúde
centrado no doente / utente… Não adianta tentar salvar o moribundo.