É bem conhecido criar-se uma relação íntima entre animais e as pessoas que particularmente os acarinham. Mesmo passado muito tempo, o reencontro reveste-se de inigualável ternura, se assim nos podemos exprimir, porque os laços, apesar da distância física ou temporal, acabaram por ficar bem vincados.
Teus netos foram viver para o estrangeiro e o cão ficou em Portugal. Ao regressarem, para o período de férias, o cão reconhece-os de imediato e delicia-se longamente com as carícias que há muito lhe faltavam.
E quem diz cão, diz elefantes, leões, galinhas, gatos, que, um dia, por terem sido alvo de particular atenção por parte dos donos ou dos tratadores, se lhes afeiçoaram para a vida.
Foi notícia, há tempos, a história do cão que passava os dias no cemitério, deitado junto à sepultura do dono, e que ali acabou por morrer. Vemos, no dia-a-dia, os sem-abrigo a partilharem com o seu animal o frugal alimento que logram obter e, amiúde, para o seu fiel companheiro vai o bocado primeiro. As inundações e outras catástrofes que sobre o mundo caem e que a televisão nos patenteia não deixam de o salientar: interessa salvaguardar haveres, mas o animal de estimação tem de vir ao colo, não pode ficar no perigo!… É sagrado!
Tudo isto é bem conhecido; nem sempre, todavia, devidamente consciencializado em termos de comportamento cívico.
Em Viseu, por exemplo, vivia um ancião e que por única companhia tinha o Tejo. Degradação após degradação, dificuldade após dificuldade, conseguiu-se, há dias, que o ancião desse entrada num lar. E o cão? O cão que, nos últimos anos, fora o seu único conforto, noite e dia, dia e noite? O cão – não! O cão não podia ir para o lar. Ficou na rua. Abandonado. Em choro. Com ele, os vizinhos que, além de lhe darem de comida, mais não podiam fazer, por não terem condições para isso. E a hipótese de uma ou duas vezes por semana, o Tejo ir visitar o dono? Mesmo cá fora do edifício, só para umas carícias. Não. A lei não permite. Não permite?
Recorto o que Carla Lacerda escreveu, ontem, dia 9, na sua página do Facebook:
«Foi companheiro de uma vida de um senhor que, vivendo sozinho, com 93 anos, teve de ser institucionalizado num lar de idosos. As entidades competentes, que até tenho dificuldades em nomear ou identificar, conheciam/conhecem a situação, mas pelo que parece não quiseram saber. E esse companheiro, que dá pelo nome de Tejo, vive hoje sozinho, abandonado pela vida e para a vida e está à mercê de quem por solidariedade o alimenta, mas não o pode adoptar.
Neste quadro, em que uma certa revolta e indignação tomam conta de mim, ao perceber que tanta gente quer ser eleita e nomeada, mas depois consideram não ser responsabilidade sua tomar conta de casos como estes, questiono quem será?!
E ao invés de ficar à espera de respostas, ou envolta da indignação peço aos meus amig@s que me ajudem a encontrar um abrigo ou um lar para que o Tejo encontre o amor de quem ainda o tenha para dar a este animal sofrido e privado do convívio com o seu dono.
Se não pode adoptar, pode partilhar?! OBRIGADA
(Nota: o cão está na freguesia de Barrô, concelho de Resende)».
Tenho um advogado que muitas vezes me garantiu: certo é que «dura lex, sed lex», «dura é a lei, mas é a lei», mas também acrescentava: «Não há lei sem excepções!». Sem fechar os olhos! Ou, como proclama o Carlão, sem «assobia para o lado», fazer de conta – que, em relação ao Tejo haveria mesmo necessidade de que alguém fizesse de conta. Em prol do cão, está certo; mas, sobretudo, em prol da sobrevivência do dono!
Muito se faz a apologia do envelhecimento feliz e saudável. Para o dono do Tejo, a continuar assim, o envelhecimento não será saudável e – muito menos! – feliz!
Uma questão de humanidade, que envolve também uma personagem canina, é do que trata este oportuno texto de José´Encarnação.
Bem sabemos que à luz da interpretação da lei, muitos são os casos omissos a precisarem de intervenção e que a maior parte das vezes ela depende da boa formação do juiz.
Há desportos, como a equitação, recomendados como terapia para problemas do comportamento. Um cão que é companhia do dono durante anos, precisa tanto da sua proximidade, como o dono precisa do animal que o compensou da solidão. Vê-lo,
ou esperar por uma visita semanal ou duas, seria manter a esperança numa recuperação, embora talvez ela não seja possível.
Também vivemos de ilusões, ou sonhos. Mas aqui o próprio lar, ou instituição, não precisa de invocar a lei, precisa de resolver um caso de humanidade.
Por isso estas instituições deviam ser regularmente vigiadas, para ajuizar se essa humanidade existe…