MENOS É MAIS

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Fiz uma licenciatura em jornalismo para, nos bancos da universidade, deixar de ser apenas aquela miúda que tinha jeito para escrever e legitimar alguma da minha escrita, e para aprender, a sério, a diferença entre informação e achismo.

Mas o que aprendi repercutiu-se em inesperadas dimensões da minha vida. Ganhei novos filtros para ler informação, aprendi a valorizar as fontes e, sobretudo, passei a prestar atenção às diferentes formas como cada recetor perceciona o que vê. Desenvolvi uma espécie de estética de receção das notícias. Limito-me aqui deliberadamente ao médium televisão, por ser o que chega a mais portugueses e também por se ter tornado, por razões de (in)capacidade, aquele que ocupa de momento, mais tempo na minha vida.

Apurei as formas de ver TV: para aprender, para entreter, para … adormecer.

Desenvolvi também o gosto por ver televisão acompanhada. Durante os anos em que, trabalhando e vivendo longe, fui regularmente à minha aldeia natal, cultivei o hábito de ver televisão com os meus primos, regressados de França, para uma merecida “retrete”.  Fiz com eles, muitas vezes, um exercício que conhecia da literatura sobre o jornalismo: avaliar, no final de cada noticiário, o que tinham retido. Sem surpresa, concluía sempre que cada um deles se lembrava de diferentes notícias, normalmente não mais de 3 ou 4. O mais intrigante era tentar perceber como um certo alinhamento das notícias permitia a cada um deles fazer outras notícias, juntando partes de várias que tinham visto. Tudo isto eu tinha lido durante o curso, mas comprová-lo com o meu próprio “grupo de controlo” era outra coisa. 

Esta característica do cérebro, de se focar, selecionar e reter determinada informação, fez-me refletir, até hoje, sobre a importância dos canais generalistas, os valores-noticia, o alinhamento dos blocos informativos e concluir, inevitavelmente que menos é mais. Quero dizer, de nada adianta um alinhamento de dezenas de notícias em 60 minutos, sendo certo que apenas 3 ou 4 serão retidas.

Como cada um vê o que quer, tem de haver notícias para todos os gostos?! Não me parece. Tem é de haver clareza, racionalidade, mais informação e menos espetáculo. Aparentemente, os canais de informação contínua vieram resolver este problema, repetindo até à exaustão as mesmas notícias ao longo do dia. Não creio. A avaliar pelos números das audiências, a maioria da população portuguesa só vê os canais tradicionais, mesmo dispondo de pacotes que incluem os outros.

Os jovens, segundo amplo consenso, não vêem notícias, partilham informação através das redes sociais às quais atribuem o mesmo valor. Esta equivalência geral justificava amplamente que o currículo escolar incluísse, desde há anos, a educação para os media. Tão elementar como a literacia em tecnologias, saúde, ambiente ou finanças, é a literacia mediática, tanto mais urgente quanto mais são os media de interação. Sobrecarregar o currículo com mais uma disciplina? 

Com poucos anos de profissão, já me questionava sobre os critérios que presidem à definição dos currículos. O que excluir? O que incluir? Meio século de produção de conhecimento em todas as áreas científicas e humanistas forçosamente alteraram o currículo escolar. Não tanto como se poderia esperar. E a pergunta mantém-se: no final do século XXI, se a humanidade sobreviver ao seu acelerado processo de autodestruição, haverá escolas. Com que planos curriculares?

1 COMENTÁRIO

  1. Mui ajustada reflexão, que urge fazer, de facto. As repetições à exaustão saturam-nos. Ver hoje à noite uma notícia que já foi vista ontem e repetida à hora de almoço é enfadonho, não ajuda mesmo nada a apreciar a informação. Para já não falar dos ‘episódios’ de concursos que, subrepticiamente, vão sendo repetidos, como quem não quer a coisa. Foi o Joker, escandalosamente; está a ser já este Porquinho Mealheiro, em que a gente volta-se para quem está a nosso lado e ‘esta pergunta não foi feita já?’ e aí se desobre a marosca…
    Parabéns, pois, à bem oportuna reflexão de Alice Marques.

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