Creio que nenhum português, nem os autoproclamados “portugueses de bem”, contesta um princípio elementar de Justiça consignado na Declaração Universal dos Direitos Humanos: perante os excessos de um regime ilegítimo, e desde que proporcionada, toda a resistência é legítima.
Em defesa da liberdade e da democracia, o socialista Maximino Serra praticou atos gloriosos em que arriscou a própria vida, que nunca a de outros. Luta inglória porque, mudaram-se os tempos e mudaram os métodos, mas ainda hoje o “espírito do Tarrafal” sobrevive em muita cabeça bem-pensante.
Vêm estas reflexões a propósito de uma notícia insólita referente a Maximino Serra, surgida precisamente no dia a seguir ao funeral deste herói lendário do PS. Contrariando quanto lhe havia sido garantido em vida, e também pesarosas condolências transmitidas por altos dirigentes a familiares seus, afinal Maximino Serra não deveria ter sido sepultado sob a bandeira de uma organização de que terá sido mesmo expurgado, sem sequer ter sido ouvido.
Tão “oportuno” esclarecimento partiu do dirigente Carlos César, um Conselheiro de Estado que assumiu por inteiro a responsabilidade por este insólito “saneamento”. Medida tenebrosa, anunciada a título póstumo, mas justificada pela não ultrapassagem de certos trâmites internos.
Havendo dentro do PS, e não só, quem considere Maximino Serra como merecedor de uma estátua no Largo do Rato, não admira que o “zelo” de Carlos César possa ser considerado como mais um amargo exemplo da crise de valores e desfaçatez, que atualmente atingem a generalidade da nossa classe política.
E três perguntas se levantam:
Pode alguém, reconhecidamente sob investigação judicial por “desvio” de um navio português, em benefício pessoal, levantar o dedo contra um camarada que, por ironia do destino, “só” participou no “desvio de rota” do famoso Santa Maria?
Pode alguém, cuja ignota família é apontada como um dos mais escandalosos exemplos do uso da política em proveito próprio, sujar a imagem de quem sempre rejeitou qualquer compensação pelos altos serviços que prestou à Pátria?
E pode o PS, “castelo” que ajudei a construir e de onde só sairei à força, promover tão deploráveis comportamentos?
Sem desviar um só milímetro a rota do meu navio, até porque a lista de que fui mandatário obteve recentemente 40% de votos, contra a tendência instalada, gritarei bem alto enquanto puder: NÃO!