Uma democracia não se faz com eleições sucessivas até que os partidos da oposição alcancem o poder. Faz-se dentro de um quadro de estabilidade, tendo prazos a cumprir, os quais só devem ser interrompidos em circunstâncias anormais.
Foi o que aconteceu durante a pandemia e, num passado ainda recente, quando Jorge Sampaio dissolveu a Assembleia da República, no tempo de Pedro Santana Lopes. O ex-primeiro-ministro do PSD saltou da presidência da Câmara de Lisboa para a chefia do governo, apenas porque era vice presidente do seu partido. Caso contrário nunca lá tinha posto os pés. Se alguma vez houve pouca legitimidade democrática para um putativo dirigente partidário assumir essas funções, esse foi um verdadeiro caso de estudo, uma vez que Pedro Santana Lopes nem deputado era. Muito menos ministro no governo de Durão Barroso. Acresce que o PSD aceitou as regras que lhe foram impostas por Jorge Sampaio, para a saída do então primeiro ministro rumo a Bruxelas. Não podia é almejar um estatuto de excepção, quando já se sabia que Pedro Santana Lopes, nem no PSD era consensual, quanto mais na oposição. Com a degradação da sua governação, manter Santana Lopes como primeiro-ministro, diminuído que estava na sua legitimidade democrática, face ao seu antecessor, era manter um moribundo a liderar os destinos do país. O que se passou a seguir veio provar que o já falecido Presidente da República tinha toda a razão na decisão tomada.
Também podemos divagar sobre as reais intenções de Jorge Sampaio, quando aceitou dar posse àquele governo do PSD. Eu tenho uma opinião pessoal. O PSD na sua incessante apetência pelo poder a qualquer custo, acabou por cair na esparrela. Sampaio quis dar tempo ao PS para se recompor, e logo que percepcionou um grande desgaste no governo de coligação PSD/CDS, fê-lo ir a votos.
No final de 2022, depois de um ano com sucessivos casos no governo de António Costa, “a pedido de várias famílias”, todas elas do mesmo espectro político, Marcelo foi instado a dissolver o parlamento, numa espécie de golpe estado palaciano, imitando Sampaio, tentando alterar a correlação de forças no poder, dentro da Assembleia da República, o lugar onde de facto tudo se decide.
O engraçado no meio disto tudo é que os atuais proponentes desta medida drástica, são os mesmos que ainda há anos achavam que Costa não tinha legitimidade democrática para exercer o poder, pelo facto de não ter sido o mais votado, mesmo tendo uma maioria que o apoiava.
Marcelo Rebelo de Sousa pode ser tudo menos distraído. E sabe melhor do que todos nós, que a sua tentativa do ano passado, 2021, de encurralar o PS, no mínimo, numa maioria relativa que o obrigasse a fazer uma coligação com o PSD, de Rui Rio, uma espécie de Bloco Central; já nem ponho como hipótese uma maioria de direita; lhe correu bastante mal. Dessas eleições saiu a maioria absoluta deste governo.
As últimas sondagens dão de novo ao PS uma maioria relativa. Só quando for perceptível uma mudança no tecido eleitoral, que dê garantias ao PR que haverá novas e diferentes maiorias a formar, este tomará a iniciativa de dissolver a AR. Nunca o poderá fazer antes, porque a correr mal, fica refém dos seus próprios erros de análise, e deixa a sua direita política com uma margem de manobra curta, encurralada numa tentativa de golpismo a qualquer preço. É que depois de Marcelo há umas novas eleições presidenciais, e a ser assim, a direita estaria a entregar o lugar de mais alto magistrado da nação a um candidato de esquerda de mão beijada. Ou acham que o país quer um Presidente golpista, em vez de ser um garante de estabilidade?
Mesmo com as “burricadas” que este governo tem feito, tenho dúvidas que algo de significativo mudasse numas eleições a curto prazo.