O exército luterano de Dom Sebastião

Trata-se de cerca de 4000 mercenários flamengos, alemães, holandeses, saxões e das cidades hanseáticas, tanto do Mar do Norte, como do Báltico, que os representantes de D. Sebastião tinham angariado como voluntários para tomarem parte na grande aventura sebástica africana, para combaterem ao lado de Dom Sebastião e serem, depois da esperada vitória, instalados como casais fronteiriços luso-alemães.

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Vieram em 54 urcas, aos poucos, todos entre Fevereiro e Abril de 1578. Os dominicanos lisboetas organizaram uma encrenca entre eles e a população local, porque não queriam ver hereges e suas mulheres (800) e suas crianças (300), na baixa lisboeta. Dom Sebastião decretou, então, que essas urcas descarregassem todos nas praias do Dafundo e na Cruz Quebrada. As urcas foram juntas no Mar da Palha. Ordenou-se aos estrangeiros que fossem (a pé) do Dafundo até Cascais. Aí lhes foi negada a entrada, por “não serem católicos”. Tiveram de acampar em frente das portas da vila, onde hoje se situa a baixa cascalense, sobretudo à volta do Jardim Visconde da Luz junto às grutas do Poço Velho.

Em Janeiro de 1578, a cidade de Amesterdão, então católica, votou pacificamente para passar ao protestantismo. O senado ordenou aos prateiros que entregassem as suas chapas de prata para serem cortadas às fatias e esquartejadas em pequenas placas que serviam como a nova moeda de Amesterdão. Os cantos eram arredondados e levaram apenas punções de uma face. Era o punção das três cruzes de Amesterdão com a data de “1578”. O valor era apenas o seu peso em prata. Mas foi bem aceite.

Uma das “chapinhas de prata” encontradas em Cascais. Batidas apenas numa face com as armas de Amesterdaão e a data de 1578. Valiam pelo seu peso em prata e assim circulavam como moeda de recurso, por causa de a revolução desta cidade ter passado do Catolicismo para o Protestantismo (em Janeiro de 1578), apenas semanas antes da chegada dos primeiros grupos de cracas hanseáticas que se dirigiam a Lisboa.

Chegando, então, as primeiras urcas da Liga Hanseática a Amesterdão, resolveram os cambistas da cidade convencer os mercenários e suas famílias a trocarem as suas moedas de Hamburgo, Lübeck, Frankfurt, Bremen, Basileia e de muitos pequenos reinos ducados, principados e cidades, cuja conversão era um problema, por estas novas moedas de prata apenas valerem pelo seu peso de prata.

Assim entrou em Portugal o exército, chamado luterano, de Dom Sebastião, trazendo consigo as tais moedas holandesas de recurso momentâneo.

Esconderam as poucas moedas que tinham debaixo das tendas e, apenas meses depois, quando, de repente, se deu o toque para todos se apresentarem na praia de Cascais, foram embarcados nas urcas então reaparecidas, sem terem tido hipótese sequer de voltar às suas tendas e levarem as suas bolsinhas.

Claro é que foi tudo (ou quase tudo) saqueado! Tristes realidades sempre escondidas!

A secção da Germânicas da Universidade de Coimbra tem tido “a ousadia” ( e ainda bem) de publicar bastante acerca destes mercenários germânicos que, por ordem do Cardeal-Rei (Inquisidor-Mor), nem resgatados foram! Quem fora preso ou ferido era passado ao fio da espada; quem fosse saudável vendido para escravo. As mulheres vendidas aos bordéis do Magreb e as crianças aos bordéis no Egipto.  Mas houve sobreviventes que escreveram as suas memórias da batalha e as aventuras (via Grécia-Hungria) do seu regresso para o Norte dos Alpes. Estes relatos são fabulosos e bem diferentes de tudo o que nos ensinaram.

Desenho de Lima de Freitas (1957) intitulado: “A Ida para o Desastre”. Mostra o desembarque da artilharia e das bagagens a caminho de Tânger para Alcácer-Quibir.  Uma fila (duas léguas) de canhões e carruagens de bagagens  foram para o deserto passando por chuvas torrenciais – contaram os sobreviventes alemães e o nosso grande mestre setubalense assim os desenhou a tinta da China; mas ninguém lhe deu atenção

Acontece que eu tive quatro lojas de antiguidades em Cascais, algumas durante meio século. Neste espaço de tempo, assisti a duas grandes cheias na baixa de Cascais (perdendo uma das lojas com todo o seu recheio).

Através dos meus contactos com as ourivesarias de Cascais daquela época, que possuíam todas pequenas oficinas de restauro no seu interior, passei a ver diversas chapinhas de prata puncionadas “15 XXX 78” e apenas numa face. Os ourives compravam-nas aos jardineiros da Câmara que estavam a revolver as terras do antigo Jardim Visconde da Luz e da limpeza interior das grutas. Ninguém sabia que se tratava de moedas holandesas. Apenas as compravam para matéria-prima de pequenas soldaduras de prata que faziam em obras dos seus clientes.

Registo oficial da Casa da Moeda de Amesterdão da emissão das moedas quadradas em chapa de prata batidas em Janeiro de 1578

Achei “graça” e comprei! Mal sabia eu que a meia dúzia que já então tinha em meu poder me seria arrancada da “Sala das Armas” na próxima grande cheia. Felizmente consegui adquirir outras.

Também tinham aparecido algumas “moedas de cobre”, com o busto de Filipe II  de Espanha numa face e a nossa esfera armilar na outra. Estavam datadas de 1576 ou 1577. Vim a descobrir que se tratava de “contos para contar” do exército do Duque de Alba, usados nos Países Baixos. Não eram moedas, mas foram cambiadas como tais aos futuros colonos, pelo seu valor de cobre.

Acabei por possuir algumas delas também.

Verso do “conto para contar” de 1574, batido para o exército de Filipe II de Espanha nas suas campanhas nos Países Baixos. Uma vez apreendidos pelos holandeses, esses contos acabaram por ser trocados com os mercenários flamengos e alemães, como moedas de cobre, que depois seguiram para Lisboa e Marrocos.

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