Um russo à boca de cena, em Sintra

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O encenador é português (Ricardo G. Santos), assim como os demais intervenientes no espetáculo. Mas o autor é russo, Daniil Kharms. Só isto já é um atrevimento, nos dias que correm. Levar à cena uma obra teatral russa é ato suscetível de alarmar a sociedade condicionada pelo pensamento único que se tenta impor de condenação de tudo quanto seja russo, incluíndo a cultura.

Poucos saberão que Daniil Kharms, autor da vanguarda russa, do início do séc. XX, era visto com suspeita pelas autoridades, pela sua escrita livre de condicionamentos ideológicos. Escrevia para revistas infantis, sendo esta a forma de sobreviver e de ter “voz”, em resposta à perseguição que sofria pelo regime político que vigorava na Rússia daquela época. Cem anos depois, parece que não saímos do mesmo sítio.

O espetáculo é “A viagem de Kolka Pankin, e Petka Erchov que não acreditava em nada”. Um espetáculo que versa sobre o absurdo da comunicação – as perceções e interpretações da realidade, diferentes de pessoa para pessoa, os equívocos que daí emanam, e a força da imaginação na comunicação de uma ideia que queremos ver entendida, sob a forma de uma comédia non sense, em formato stand up comedy, para todas as idades.

“Com esta criação, para crianças e famílias, considerando o tempo em que vivemos, fazemos uma elegia à liberdade de expressão e criação, à isenção da arte e às fronteiras que esta derruba”, dizem os promotores do espetáculo, que consideram esta peça teatral “um pequeno contributo para que cada vez mais pessoas possam conhecer e celebrar esta voz da literatura russa.”

Daniil Kharms (Daniil Ivánovitch Iuvatchov), 1905-1942, nasceu em São Petersburgo, a 30 de Dezembro de 1905 e é uma das figuras-chave da literatura russa do século passado. Foi o maior representante da literatura vanguardista russa e mundial dos anos 20 e 30 do séc. XX. Escritor, poeta, dramaturgo, um “génio do absurdo”, Kharms foi um homem que deu a contemporâneos e gerações vindouras muitos contos humorísticos, anedotas engraçadas e frases espirituosas. Na sua vida havia duas partes, as quais se tornaram num acto artístico contínuo: por um lado, temos a imagem excêntrica de um “homem-paradoxo” e, por outro, a de um compenetrado pensador e místico. Kharms foi inovador na poesia e criador do género do humor negro. Muito antes de Eugène Ionesco e Samuel Beckett, ele descobriu um novo tipo de teatro, o teatro do absurdo.

A viagem de Kolka Pankin, e Petka Erchov que não acreditava em nada. Estreia na QUINTA DA RIBAFRIA, temporada agosto e setembro, aos fins-de-semana, em Sintra.

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