O sonho comanda a vida

O sonho, a nossa 3ª dimensão! (A propósito de um livro de Eugenia Serafini)

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1844

E essa 3ª dimensão, a do sonho, assume importância vital. Somos corpo – e há que alimentá-lo; somos espírito – e há que perenemente o envolver num manto de pensamentos positivos; somos sonho – e há que jamais perder essa capacidade de sonhar.

Porventura, não consciencializamos bem as frases dos poetas: «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce», sentenciou Camões; «Eles não sabem nem sonham que o sonho, o sonho comanda a vida», proclama António Gedeão na sua imorredoira ‘Pedra Filosofal’, imortalizada por Manuel Freire.

¿Não é um sonho também O Principezinho, de Saint-Exupéry – como o foi, entre tantos outros, O Feiticeiro de Oz, com a inesquecível Judy Garland?!…

Escreveu a pintora e professora Eugenia Serafini um livro de estranho título: Il Preside che camminava sui rami di pino e i Racconti della Luna (Edições Artecom-onlus, Roma, 2019). «O Presidente que caminhava pelas ramagens de um pinheiro» e que, já no gabinete, querendo negar, com algum nervosismo, que não, não andara pelo bosque, passou as mãos pelo cabelo e deixou cair no chão uma agulha de pinheiro!…

Com prefácio de Marcello Carlino e posfácio de Nicolò Giuseppe Brancato, o livro, profusamente ilustrado (tenho, aqui para nós, o privilégio de possuir um exemplar pintado à mão pela autora com pastel giotto natural!…), contém 14 contos nas suas 112 páginas: «Os anjos», «Anita e o cocheiro», «O sonho do almirante», «Aquela que contempla a Lua»….

Contos breves, onde, do ponto de vista gráfico, a autora deu largas à sua criatividade: os negros e os itálicos surgem inopinadamente; as maiúsculas podem aparecer no meio da palavra; a paginação obedece, aqui, a um eixo de simetria e está alinhada apenas à esquerda, mais adiante, inclusive na mesma pagina. Dir-se-ia que a intenção é chocar, despertar a atenção… sonhar!

Prendeu-me, de modo especial, a atenção, um dos contos maiores (p. 79-105), «História para um coração de criança», que a Autora quis fazer preceder de uma epígrafe: «Perdoai-me, amigos meus, se não confiei no vosso ser adultos e escrevi e sonhei com o nosso coração criança».

            Começa assim:

«Encontrara-a na areia da praia, qual pétala murcha: tomou-a nos braços, temendo que estivesse morta, quão pálida estava e fria; mas não: respirava ainda! Ainda que estivéssemos no solstício de Verão, chovera muito e ainda estava frio, como em Março: o velho Renato descera para ver o mar cinzento, sob o cinzento do céu, quase empurrado por um pressentimento, e dera com ela, por acaso, estendida entre areia e mar».

Levou-a para casa e, tendo-a aconchegado nos cobertores, viu que recuperara a cor: «Era uma menina loira e frágil, muito bonita». Giuggiola de seu nome, soube-o depois.

Daí por diante, sucederam-se os encontros, envoltos sempre numa aura de poesia, em diálogos límpidos e profundos, a lembrar os do Principezinho de Saint-Exupéry.

«O velho ocupava-se nas lides habituais: as tarefas domésticas, a limpeza, os trabalhos na horta e no jardim; podava as rosas, cortava agora um lírio para pôr na jarra; mas bastava-lhe pensar na menina e logo ela lhe aparecia pela frente, como que por encanto».

Giuggiola era amiga doutro menino, o Lino; brincava com ele, sonhava os mesmos sonhos que ele; só que, um dia, entrou num sonho que não lhe agradou e, ao fugir, caiu – e foi assim que Renato a encontrou. E Lino nunca mais apareceu.

Passaram os dias neste enleio. «E o velho via Giuggiola sentada, muitas vezes, na orla do tempo, a esperar o sol-pôr: com a cabecinha entre as mãos, esperava que o seu sonho aparecesse».

Esta, pois, a atmosfera, sedutora para crianças e para os adultos também, estou certo, porque entre linhas há frases que nos obrigam a parar.

Está prestes a vir, agora, neste tempo em que escrevo, o equinócio do Outono, a deixar para trás praias, sol, divagações… Espera-nos tenebrosa engrenagem a correr de manhã à noite e, amiúde, noite adentro. Precisamos de a suster; precisamos de, sentados na orla do tempo, abrir os nossos braços ao Sonho! Como Giuggiola.

1 COMENTÁRIO

  1. José D´ Encarnação é dos académicos (historiador, epigrafista, arqueólogo, também jornalista e escritor) que ainda se emocionam com livros como IL PRESIDE QUE CAMMINAVA SUI RAMI DI PINO…que ele mesmo nos dá a conhecer.
    Graficamente o livro tem uma imagem de capa muito bela e as histórias, por estes excertos que nos deixa, parecendo destinadas a crianças, conseguem despertar adultos com sensibilidade e capacidade reflexiva.
    O SONHO é fundamental. E não deve ter sido por acaso que a autora, Eugenia Serafini, criou outra personagem secundária (o idoso) além da principal, para mostrar que todas as gerações precisam dessa energia propulsora.
    A menina era o próprio sonho. Bastava o “velho” pensar nela, e logo ela aparecia. Com sonhos também, porque uns vão atraindo outros…E estou a ver aquele senhor, já com a vida bem ocupada (outra lição) a correr atrás de sonhos para aromatizar os seus dias.
    Há textos aqui publicados que têm a capacidade de estimular a massa cinzenta, ou de relaxarem os “músculos” retesados da sensibilidade. Adorei ler.

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