As teias da comunicação autárquica

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De 1989 a 2002, como docente de Comunicação Social no Curso de Especialização em Assuntos Culturais no Âmbito das Autarquias, procurei explicar como poderão evitar-se as teias que sempre envolvem o poder autárquico.

Numa das aulas, ao garantir que, afinal, nada se poderia fazer se o perfil do presidente fosse do género «Quero, posso e mando!», um dos formandos levantou-se:

– Professor, desculpe, se assim é, vou-me embora.

Ainda o tentei dissuadir. Esse era o mundo em que eles, técnicos, iriam viver e a minha missão era prepará-los para nele se movimentarem o melhor possível, de acordo com a sua consciência. Não me ouviu e desistiu do curso.

Nessa altura, ainda se não lidava preferencialmente com a informática e o contacto pessoal ia sobrevivendo. Hoje, porém, tudo se passa nos labirintos das páginas digitais encomendadas pelas autarquias a empresas de renome ou geridas pelos próprios técnicos, de acordo com as ordens superiores. E uma das ordens é, amiúde, a de dificultar o contacto!

Lembro-me da estratégia gizada pelo Conde de Castelo Melhor em relação ao rei D. Afonso VI: manteve-o «ausente» largos meses e preparou a sua aparição solene em público. Nesse dia, com pompa e circunstância, os nobres, o clero e os representantes do Povo deveriam comparecer e saudá-lo. Uma forma de lhe prestar vassalagem e de, simultaneamente, se saber quem estava a favor e quem estava contra.

Queres contactar por correio electrónico com o presidente da autarquia ou um vereador? Vais à pagina do município e sorte terás se lá vier a informação acerca do respetivo endereço, porque o mais normal é teres apenas o endereço geral da Câmara. E, nesse caso, poderá acontecer como na minha Universidade de Coimbra quando envio uma mensagem ao Magnífico Reitor:

«Acusamos a receção da sua mensagem à qual foi atribuído o código de identificação acima mencionado, ao qual pedimos que faça referência sempre que nos contatar sobre este mesmo assunto, com vista à sua rápida identificação».

Essa, a mensagem automática que se recebe de imediato, «Com os melhores cumprimentos», assinada – pasme-se! –, não por uma pessoa mas por uma entidade: “Reitoria da Universidade de Coimbra”.

            Claro, ficamos a aguardar, sentados, uma eventual resposta, que tarde ou nunca chegará. Há mais que fazer!

Interessante foi o que vi numa página autárquica: com foto e endereço electrónico só os da cor do presidente, os únicos que tinham pelouros; os outros nem foto nem endereço electrónico!

Democracia? Uma ova! O munícipe inscreveu-se para apresentar um assunto na reunião pública. Um tema em que havia sérias dúvidas acerca da legalidade da actuação camarária. O presidente ouviu a contragosto, olhando para o relógio, interrompeu-o amiúde e cortou-lhe a palavra assim que se esgotaram os minutos oficialmente concedidos. E não respondeu. Se fosse da cor, comentaria mais tarde um vereador (da oposição), e para louvar, o munícipe teria todo o tempo do mundo!

«E así se hacen las cosas», creio que é frase duma das personagens dos autos de Gil Vicente. Ou: «É assim a vida!», expressão que se atribui a um dos nossos políticos, descoroçoado decerto com o que lhe fora dado observar.

Confesso que me custa mesmo aceder à página duma autarquia e não ter aí informação como poderia comunicar pessoalmente com todos e cada um dos membros do Executivo. Haver a possibilidade de os autarcas falarem com o Povo que os elegeu e de o Povo falar com eles.

Lembro-me, amiúde, da conversa de Maria com a mãe, no Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett: «Voz do Povo voz de Deus, minha senhora mãe!». Mas logo me surge – estúpida, a estragar tudo! – aqueloutra que não sei já donde a colhi: «Os que estão demasiado alto não ouvem a voz da razão!».

                                                                      

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