CASIMIRO E CAROLINA

Revisita-se o que poderia ter sido alegre festa da cerveja no final dos anos 20 do século passado. Pretexto seria para desanuviar à grande da grande crise económico-financeira de 1929. Carolina quer divertir-se; Casimiro, o namorado, mantém-se misantropo. Os convidados estão-se nas tintas para o drama!

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«Casimiro e Carolina» é a peça teatral, da autoria do croata Ödön Von Horváth (1901-1938), que o Teatro Experimental de Cascais estreou no passado dia 8.

Escolheu-se a tradução de Jorge Silva Melo para homenagear este brilhante homem do teatro que recentemente nos deixou. A versão e dramaturgia são da responsabilidade, habitual, de Graça P. Corrêa; a encenação, de Carlos Avilez. É a 172ª produção da companhia e constitui, como é costume nesta época do ano, a prova final dos alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais.

Realce-se a oportunidade da escolha.

Primeiro, porque as preocupações dessa época muito diferentes não terão sido das que actualmente nos assolam: o desemprego, a carestia de vida, a incerteza do futuro, a vontade de fugir à agrura quotidiana…

Depois, porque, ao programarem um clima de festa para espantarem maleitas, os intervenientes serão convidados a dançar, a cantar, a mexerem-se estapafúrdia mas ordenadamente – e esse precisa de ser o teste a que os docentes hão-de submeter os futuros actores. Riso e choro, movimento e gesto contido, silêncio e algazarra, cancã e valsa. Espírito de corpo, sintonia…

Optou-se por omitir informações individualizadas, na pasta-programa proporcionada aos espectadores. Não se diz quem incarna este ou aquele personagem; apresenta-se, por ordem alfabética, o rol dos 46 finalistas e o dos 15 outros alunos que também entram em cena. Referem-se, como elementos integrantes da companhia, Carolina Faria, Luiz Rizo, Renato Pino, Sérgio Silva e Teresa Côrte-Real.

Incarna Teresa Côrte-Real a vidente que surge, envolva em mistério, no princípio e no fim, a dialogar com o autor, fora de cena e perto de nós, espectadores. No princípio, em jeito de entrevista e, já, de algum prenúncio; no fim, a tentar dissuadir Ödön de ir fazer aquela viagem a Paris, onde a queda de uma árvore lhe virá a ser fatal. Sérgio Silva e Luiz Rizo lembrar-nos-ão, ao longo do espectáculo, os dois bem simpáticos velhotes de «Os Marretas», com o mesmo espírito bem-humorado, irónico, malandro, a comentarem o que vêem, como quem não quer coisa, mas… querem!

Merecem atenção os diálogos que salpicam o entrecho, de Carolina com o seu (ex-)namorado e com o seu pretendente. Por eles perpassam, de facto, as mensagens que o autor quis transmitir. Precisa-se de estar mais atento para as captar por completo, ainda que decorram quase à boca de cena, e não haja microfones escondidos que tudo captem.

Merecem atenção também os textos incluídos na pasta atrás referida. Desta vez, porque, além da citada evocação de Jorge da Silva Melo, conta Carlos Avilez o que são, o que têm sido os 30 anos da Escola Profissional de Teatro de Cascais, assinalável marco no ensino do Teatro a nível nacional, donde têm saído muitos dos actores que hoje vemos em palcos, no cinema e nas telenovelas. Um percurso árduo, que felizmente tanto o Ministério da Educação como a Câmara Municipal de Cascais têm sabido acarinhar.

Aí temos igualmente textos sobre a peça, aí chamada por Graça P. Corrêa de «uma balada política», em que, a determinado passo, referindo o que foi, na altura, a novidade do zepelim, Graça P. Corrêa cita uma das passagens mais cruas:

«Enquanto cá em baixo vários milhões morrem de fome devido à crise económica, no zepelim lá em cima ‘há vinte bilionários a voar’».

Noutro texto, Klaus Mann conta, com mágoa, «a morte de um poeta», a do autor. E temos ainda: o excerto da entrevista realizada por Willi Cronauer, transmitida radiofonicamente a 6 de Abril de 1932; a biografia de Horváth; a transcrição de algumas das suas frases, a começar por

«Vivemos numa época em que uma grande parte do mundo é dominada por criminosos e loucos».

E passagens elucidativas de um artigo sobre o papel que Horváth desempenhou na renovação da ‘peça popular’.

Se se sai bem disposto do Mirita Casimiro depois de ter visto este Casimiro e Carolina? Acho que sim!

Naquela sensação clara da antiga sentença «ridendo castigat mores», ‘é a rir que se repreendem os costumes’.

Se é um drama o que por ali se passa? – É. Não é uma comédia então? – É.

E venha daí uma caneca de cerveja, pois então!…

1 COMENTÁRIO

  1. Gostei muito deste texto, dos detalhes que José d´Encarnação nos dá sobre a natureza da peça de Ödön von Horváth, com tradução de Jorge Silva Melo, além dos outros sobre a representação.
    Parece que foi tudo pensado ao pormenor nesta 172ª. produção do TEC, escolhida para a prova final dos alunos da EPTC: os temas não podiam ser mais actuais, as emoções foram deixadas à solta como elemento de avaliação adicional. E até foram (são) louváveis os cuidados em preservar a identidade dos alunos, para uma apreciação imparcial.
    Digo sempre que espero poder assistir, mas até agora tem havido razões de peso para protelar.
    Muito grata ao autor deste texto que, com o seu perfeito relato do espectáculo, quase nos introduz na sala como espectadores atentos.

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