Chama-se Maria Fernanda Amorim, a viúva de Américo Amorim, o rei da cortiça portuguesa. Um oligarca (para usar um termo em voga). Quando Américo morreu deixou à mulher todas as suas participações e créditos em sociedades, no valor de 77 milhões de euros.
Hoje, a fortuna de Maria Fernanda está avaliada em cerca de 4.300 milhões de euros, somando gordas contas bancárias, negócios e imobiliário. Para que serve tanta acumulação de riqueza é um mistério insondável.
OS AMIGOS DA RÚSSIA
Um pouco de história. Os negócios da família Amorim começaram no século XIX com o fabrico de rolhas. Quando Américo Amorim nasceu já era rico. E aprendeu com a família a aproveitar as oportunidades da vida, digamos assim.
Até à revolução do 25 de abril 1974, diversificaram o negócio para os aglomerados de cortiça. Sem alvará. Salazar era um amigo. O ministro das Corporações e da Previdência, Veiga de Macedo, também era amigo. O presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Albino dos Reis, amigo era.
E havia amigos na Rússia. Como se sabe, os capitalistas sempre consideraram que o dinheiro não tem cor nem cheiro. Nem barreiras ideológicas. Américo Amorim abre um escritório em Viena de Áustria, em nome de terceiros, para exportar a produção da corticeira para os países comunistas. Era proibido pela lei portuguesa, mas o Banco de Portugal fechou os olhos (uma tradição que se mantém). O dinheiro da família Amorim passou a vir também de todos os países do bloco de Leste e de países não-alinhados como, por exemplo, o Egipto ou a China.
Américo Amorim ia ficando cada vez mais rico. Quando chegou o dia 25 de abril de 1974, perdeu episodicamente uma herdade com mais de 3 mil hectares no Alentejo. Mas manteve todas as outras mais a Norte.
Passado o primeiro impacto, Amorim começou a comprar barato herdades ocupadas ou em vias de serem ocupadas pelos trabalhadores agrícolas. Ele apostou que, tarde ou cedo, o registo de propriedade haveria de valer alguma coisa.
Entretanto, valeu também uma lei ardilosa aprovada em pleno PREC, que quase pareceu feita de propósito para proteger os interesses de Amorim. Dizia essa lei que os proprietários expropriados mantinham todos os direitos sobre a cortiça que estava nos sobreiros antes da expropriação. Ou seja, o que valia dinheiro não foi parar às mãos dos trabalhadores.
Amorim nunca escondeu que, contra o ciclo vivido naquela época pelo capitalismo português, o seu grupo deu um grande salto.
CRIMES PRESCRITOS
Em 1991, novo negócio milionário. Associado ao BES, à Efacec e à Centrel, compra a licença para uma operadora de redes móveis, a Telecel, por 15 milhões. Seis anos depois, vende-a à Vodafone por mais de cem milhões.
No ano 2000, Amorim foi acusado de falsificação de documentos, fraude e desvio de dinheiro do Fundo Social Europeu. A União Europeia exigia uma indemnização devido à utilização fraudulenta de financiamentos para formação profissional entre 1985 e 1988. Nunca foi condenado. O processo arrastou-se e 11 anos depois o Tribunal da Relação do Porto considerou os crimes prescritos.
Na altura, o jornal Público escrevia sobre “a sensação que os ricos e poderosos passam ao lado do escrutínio da justiça”.
A habilidade, esperteza, ausência de escrúpulos e, eventualmente, amizades devidamente oleadas, fizeram de Amorim dono da única multinacional portuguesa que dominou o mercado mundial no seu sector, com o controle sobre 35% da cortiça mundial, trinta fábricas, vendas em 103 países.
Era, diziam os analistas, um dos maiores senhorios de Lisboa e, certamente, dos mais poderosos investidores em imobiliário e grandes superfícies comerciais. Possuía dezenas de hotéis em países da Europa, América e África. O dinheiro era tanto que dava para investir em tudo, na bolsa, na banca, nas comunicações, nos transportes, nas águas, na construção civil, nos casinos. Nestas andanças, associou-se a tipos como Stanley Ho, Horácio Roque, Belmiro de Azevedo ou Isabel dos Santos.
Foi mais ou menos isto que a dona Maria Fernanda e as filhas receberam de herança.