Na sexta feira, sentei-me no café Oásis para meter o totoloto (ainda não vi a chave).
A emprega de mesa de 18, 20 anos apareceu e perguntou “posso ajudar?”, preparada para me dizer que não podia estar a usar a mesa para preencher totolotos. Mas eu tinha-me sentado para comer. Os totolotos serviram para me entreter enquanto ela conversava com os clientes habituais. E nunca se sabe. Podem voltar a sair-me 21 euros!
Diálogo travado entre nós:
– Sim, claro, com certeza. Traga-me, por favor, essa vossa sopa do dia de agrião e uma garrafa de água natural.
– Tem certificado de vacinação?
Olhei para ela com solenidade e disse não com a cabeça e com a palavra.
– Sopa, sem certificado, não pode.
Larguei a caneta com a qual marcava as cruzes. Encostei-me na cadeira.
– Não posso. Então, diga-me lá o que é eu posso comer aqui?
– Serviço de refeições, à mesa, nada.
– Mas deve haver alguma coisa que eu possa comer aqui, não é? Diga lá a menina. Dê-me uma ajuda.
– Só o que está ao balcão. Serviço de balcão.
E apontou.
Olhei para trás. Bolos de toda a sorte. Minipizzas. Salgados diversos. Fruta. Salada de fruta, pudim…
– Então e se eu lhe pedir um rissol?
– Rissol pode.
– Então faça assim: traga-me dois pastelinhos de bacalhau e um Compal Vital.
– Vital de quais?
– Daqueles de manga, laranja, cenoura.
– Ok.
Almocei pastéis de bacalhau. Estavam saborosos. Fiquei com a memória do sabor. Tenho de voltar esta semana.
No regresso ao carro tentei apanhar um casal de pombos velhinhos, maltratados pelo frio e pela fome, mas tiveram o descaramento de ter força para voar e fugir. Podiam ser felizes comigo. Dar-lhes-ia um resto de vida confortável. Contei a C. Respondeu-me que eles ainda querem ser livres. Sim. A liberdade. Também não me hei-de deixar capturar.
(in Diário da Revolta – 8 de Fevereiro de 2022, Facebook de Isabela Figueiredo)