É conhecida a necessidade, e vontade política, de se alterar a Lei Eleitoral, nomeadamente no que concerne à votação de emigrantes. Não fosse o chumbo do Orçamento de Estado, com a consequente dissolução da Assembleia da República, e a esta hora, provavelmente, essas alterações estariam feitas.
Postos perante a inevitabilidade de novas eleições, e para evitar os constrangimentos habituais, os partidos fizeram um “acordo de cavalheiros” no sentido de se “contornar a Lei” de modo a “agilizar” alguns processos. Esquecendo que expressões como “acordo de cavalheiros” e “contornar a Lei” não cabem na mesma frase. Para já não falar na ironia que é escrever “acordo de cavalheiros” quando nos referimos a políticos…
As eleições decorreram, então, com base no tal “acordo”. Os resultados são conhecidos:
No círculo da Europa o PS conquistou 14.345 (39,63%) dos 36.191 votos válidos e o PSD 9761 (27,05%), tendo o Chega sido o terceiro partido mais votado, com 3.985 votos (11,01%). Foram eleitos Paulo Pisco, do PS, e Maria Ester Vargas, do PSD.
No círculo Fora da Europa, o PSD foi o partido mais votado, com 23.942 (37,09%) dos 64.534 votos válidos, enquanto o PS obteve 19.084 (29,57%), tendo o Chega sido, mais uma vez, o terceiro partido mais votado, com 6.123 votos (9,48%). Foram eleitos Maló de Abreu, do PSD, e Augusto Santos Silva, do PS.
O número total de votantes no círculo da Europa equivale a 20,67% do número de inscritos, o que representa um forte aumento da participação relativamente às legislativas de 2019, quando apenas 12,05% dos eleitores inscritos no estrangeiro votaram.
No círculo eleitoral Fora da Europa, a participação foi de 10,86%, também maior do que a participação de 2019, quando apenas 8,81% dos eleitores registados votaram.
Ora, sabendo-se que os resultados das eleições acabam por desagradar, sempre, a muita gente era previsível que o “acordo de cavalheiros” não durasse muito tempo. Pelo que não espantou que o PSD tivesse apresentado um protesto baseando-o no facto de, nas mesas do Círculo da Europa, terem sido validado votos que não vinham acompanhados de cópia da identificação do eleitor, “como exige a lei”.
Como esses votos tinham sido misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados de dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los, uma vez na urna.
Ou seja, mais de 80% dos votos dos emigrantes nesse Círculo foram considerados nulos, mas com a indicação de que a distribuição de mandatos se manteria, com PS e PSD a conquistarem dois deputados cada. O Edital publicado, sobre o apuramento geral dessa eleição, indicava um total de 195.701 votos recebidos, sendo que 157.205 (o que equivale a 80,32%) tinham sido considerados nulos.
Seguiram-se os recursos de quatro Partidos (Livre, PAN, Volt e Chega) para o Tribunal Constitucional que não teve outra solução que não fosse “declarar a nulidade da eleição nas assembleias de voto do Círculo da Europa” mandando-as repetir.
Todos os portugueses (incluindo os políticos, claro) sabem que, em termos práticos, esta nova eleição nada, mas nada, trará de novo. O PS tem a maioria absoluta garantida e há 99,9% de hipóteses do resultado da nova eleição no Círculo da Europa eleger os mesmos dois deputados para o PS e outros dois para o PSD, como acontece há anos.
De toda esta embrulhada resulta que só em Abril teremos a nova Assembleia da República a “trabalhar” em pleno e o Governo em Maio.
No fim, e não falando já de “ética”, palavra que uso no título da Crónica, deixo estas perguntas:
- – Como se sentirão estes políticos ao pedirem a emigrantes, que se deslocaram para votar (alguns deles fazendo centenas de quilómetros até às urnas), tendo-o feito seguindo escrupulosamente as regras que lhes foram transmitidas, para fazerem tudo de novo?
- – Que taxa de abstenção teremos, agora, nesta votação, depois de toda esta vergonha, em contraponto com a anterior?
- – Esta “confusão” não era previsível quando do acordo entre os Partidos?
- – O que levou o PSD a contestar o resultado no “Círculo da Europa”, onde perdeu, e não no “Círculo Fora da Europa”, onde ganhou?
Eu penso que sei as respostas mas…