Sofisticada Fórmula 1 no país dos camelos

O vil metal não tem cor nem lugar nem moral. Onde puder medrar, ele estará.

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Ninguém teria o topete de sequer pensar há uns dez anos, que os conservadores e riquíssimos árabes dos desertos do Médio Oriente iriam alinhar no grande negócio de milhões de dólares que a Fórmula 1 representa. Das corridas de camelos, rapidamente alinharam nas corridas dos carros mais sofisticados do mundo, os bólides de fórmula 1.

Durante milénios deslocaram-se pelas areias desérticas desconfortavelmente sentados entre as boças de malcheirosos dromedários, os verdadeiros todo-o-terreno de outros tempos.

Agora, sem lugar para guardarem os seus Ferrari, Lamborghini, Aston Martin, Rolls Royce dourados, que as mulheres não podiam conduzir até há pouco tempo, os sauditas (da Arábia Saudita), sem saberem o que fazer ao dinheiro que recebem do petróleo – de que são os terceiros maiores produtores do mundo e os segundos maiores em reservas de petróleo do mundo -, concordaram em fazer um complexo desportivo para albergar o sofisticado circo da Fórmula 1 e os seus dois mil mecânicos, motoristas, dirigentes, técnicos, pilotos em mais um espectáculo de velocidade e glamour onde os artistas de cena se chamam Hamilton, em busca do oitavo título mundial e o agressivo e muito valoroso holandês Max Verstappen, filho de um falhado piloto da fórmula 1 de outros tempos Jos Verstappen, de seu nome.

E tudo isto a troco de meros 40 milhões de dólares por cada corrida de dez que foram contratadas. Excelente negócio para a empresa que gere a F1 actual, a Liberty Media Corporation que, aliás, fez o mesmo tipo de negócio com outros “países” árabes, Qatar, Abu Dhabi, desejosos de fazerem passar para o chamado mundo ocidental uma imagem de modernidade e de “civilização ocidental”.

É claro que tudo tem a ver com o vil metal. Para estes sultões de Rolex no pulso e iate em Marbella, para que o negócio do petróleo e do turismo não caiam, tudo é bom para uma lavagem desportiva que faça esquecer os atropelos aos direitos humanos.

Na Arábia Saudita as mulheres, até há pouco tempo, não podiam conduzir automóveis. Não podiam viajar para fora do país sem a presença de um homem. Tinham de andar sempre vestidas com longas túnicas negras e um lenço na cabeça.

Esta monarquia absolutista foi estranhamente admitida na Comissão dos Direitos das Mulheres na ONU. Mas nunca desactivou a Comissão para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, a polícia que vigia o cumprimento das regras impostas. Tanta hipocrisia.

Sentados nos 400 milhões de dólares, os senhores da Liberty vão realizado dividendos pelas areias do deserto, onde antes os camelos eram reis e senhores, com direito a concursos de beleza e ao maior veterinário de camelos do mundo.

Ah! As corridas dos Fórmula 1, os carros mais sofisticados do mundo, neste domingo 5 de Dezembro de 2021.  

A coisa vai-se decidir entre o negro activista Lewis Hamilton e o branco holandês Max Verstappen. Ou deveria antes qualificá-los como o afro-britânico Hamilton e o caucasiano Verstappen? Ridículo! (Puristas, podem começar a disparar as flechas).

Dois grandes desportistas na perseguição do sonho de crianças, serem Campeões do Mundo. Hamilton já o é por sete vezes, como o saudoso Shumacher, Max pode vir a ser este ano, depois desta corrida e da próxima em Abu Dhabi, se Hamilton deixar.

Num país conhecido pelas suas rígidas regras de comportamento derivadas de uma moral de origem religiosa e moderadas por uma “polícia” vigilante, o piloto britânico não teve pejo em afirmar: “ Sinto-me confortável aqui? Eu não diria que sim. Mas não é escolha minha. O desporto escolheu estar aqui.” E eu acrescentaria: a troco de 40 milhões por ano, vezes dez.

Num circuito feito em oito meses, à custa do trabalho de mais de seis mil emigrantes, neste domingo, 5 de Dezembro de 2021, o deus da velocidade volta a reclamar os seus direitos, onde se esperam elevadíssimas médias por volta com os carros a fazerem curvas a mais de 300 km/hora, num país onde se joga a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, aumentando ou diminuindo o preço do BPD (barril por dia).

Tudo por um punhado de 40 milhões. Vezes dez.

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