OS INDULTOS PRESIDENCIAIS

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Todos os anos, cerca de sete centenas de reclusos dirigem-se ao Chefe de Estado pedindo que os indulte das suas penas de prisão. São inúmeras as razões que apresentam e todas merecedoras de alguma atenção.

Há aqueles que se sentem vítimas de injustiças, os que se encontram doentes (alguns em estado terminal), os que, tendo cumprido uma grande parte da pena, sempre com bom comportamento, se consideram merecedores de uma segunda oportunidade, os que se lamentam por terem deixado a família com grandes problemas, de toda a ordem, para além de outros motivos.

Depois, a partir de Agosto, dezenas de técnicos, dos Serviços de Educação e do Instituto de Reinserção Social, escrevem milhares de relatórios gastando, nesse trabalho, inúmeras horas que podiam, e deviam, ser aproveitadas em tarefas de maior utilidade para reclusos e seus familiares.

Nenhum desses relatórios tem a colaboração de um psicólogo (profissão desconhecida no Sistema Prisional Português) que possa atestar, com base na ciência, que o recluso está reabilitado e pronto a reintegrar a sociedade.

Essa opinião é dada por técnicos (e chefes de guardas) sem qualquer habilitação para tal.

No fim, a Senhora Ministra da Justiça apresenta alguns desses casos, selecionados sem que ninguém saiba os critérios (se é que os há), ao Senhor Presidente da República que concede… cinco indultos.

O tempo e meios gastos numa operação sem qualquer nexo, para além da tentativa fútil de se querer mostrar alguma compaixão pelos reclusos, roçam o ridículo. Há problemas gravíssimos, nas cadeias portuguesas, que poderiam, e deveriam, ser resolvidos com uma intervenção do Presidente da República.

Analisemos, por exemplo, a sobrelotação.

Segundo números da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, nas nossas cadeias 7,6% dos presos estão condenados por homicídios nas suas várias especificidades (qualificado, negligente, tentado, etc.) e 7,8% por conduzirem sem estarem habilitados com carta de condução.

Se a regra para o castigo destes últimos fosse, por exemplo, uma multa pesada e a obrigação de trabalho comunitário (em quarteis de bombeiros, lavando os carros e ambulâncias, em lares de idosos, nas limpezas de matas e praias, nas brigadas de limpeza das autarquias, etc.) até conseguirem a carta de condução, as cadeias ficavam livres de mil reclusos, com uma enorme poupança para o Estado, e o assunto das cartas de condução resolvido.

Resta saber se há interesse na diminuição de presos dada a dificuldade que já hoje existe para se explicar a necessidade de quase 9.000 funcionários para um universo de 12.000 reclusos.

Caso seguíssemos a média europeia não teríamos mais de 7.000 presos o que levaria a que houvesse mais funcionários que reclusos e, entre aqueles, um guarda prisional para cada dois detidos.

Houvesse uma verdadeira preocupação na resolução dos problemas das cadeias e o tempo gasto com estas operações de marketing, e pretensa caridadezinha, seria utilizado no estudo destes números e na reforma total, e absoluta, do Sistema Prisional.

O Presidente não só deveria, no meu entender, deixar de alimentar falsas esperanças a setecentos reclusos e seus familiares mas esquecer, de uma vez, os “indultos” dedicando-se, mais afincadamente, à resolução dos reais e conhecidos problemas das nossas prisões.

Opta-se por se seguir o exemplo humorístico dos Estados Unidos onde o Presidente indulta, pelo Natal, um peru a quem é perdoada a “pena de morte” que o levaria a ser atracção principal na mesa da consoada de uma qualquer família americana.

Mas, se é esse o objectivo, e porque a nossa tradição gastronómica, para esta época, é diferente, então que indulte, na véspera de Natal, um bacalhau que deveria entregar, vivo, ao Aquário Vasco da Gama ou ao Oceanário.

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