Lítio, sim ou não?

A decisão final sobre a exploração de lítio em Portugal vai ser tomada em cima das eleições legislativas. O Governo só vai ter condições legais para tomar essa decisão, depois de estar concluída a avaliação do estudo de impacto ambiental, o que deverá acontecer em meados de janeiro.

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Independentemente das questões técnicas, a decisão terá sempre um critério político. E este Governo e este ministro do Ambiente, parecem rendidos à inevitabilidade de se autorizar a mineração do lítio. O ministro diz que “o lítio é essencial para a descarbonização” e que “o lítio é essencial para a digitalização”, dois desígnios maiores que a preservação do ambiente nos locais onde as minas vão escavar as montanhas e destruir paisagens e modos de vida.

A vida nas aldeias localizadas nas áreas onde se vão instalar as minas de lítio vai ser profundamente afetada. Estamos a falar de pequenos agricultores, pequenos criadores de gado, alguma produção de madeira, algum turismo local. Mas até essas pessoas não prescindem dos seus telemóveis e, se puderem, é possível que também elas queiram, um dia, comprar um automóvel elétrico. São os chamados danos colaterais. É o preço a pagar pelo chamado progresso.

Ainda assim, o ministro do Ambiente jura que não haverá nenhuma mina de lítio em áreas naturais protegidas, nomeadamente em territórios que façam parte da Rede Natura 2000.

Município da Guarda não quer minas de lítio

Em causa estão oito áreas do Norte e Centro do país: Arga (Viana do Castelo), Seixoso-Vieiros (Braga, Porto e Vila Real), Massueime (Guarda), Guarda – Mangualde (quatro zonas espalhadas por Guarda, Viseu, Castelo Branco e Coimbra) e Segura (Castelo Branco). O município da Guarda já emitiu um parecer desfavorável à exploração de lítio no concelho.

No site da Câmara Municipal, explica-se que o “chumbo” se deve ao projeto prever a prospeção em “dois terços do concelho e em 31 das 43 freguesias”. Ou seja, o município iria ser transformado num imenso buraco a céu aberto…

cidade da Guarda

Multinacionais prometem fábrica para tratamento do lítio

Mas estas reticências não impressionam as multinacionais. A Galp e a Northvolt anunciaram um investimento conjunto na ordem dos 700 milhões € e 1500 postos de trabalho numa fábrica de conversão de lítio a instalar em Portugal. Não se trata de fabrico de baterias, apenas da preparação do lítio para poder ser usado nas baterias. Mas sempre é uma mais-valia para o minério que se extrair em Portugal e que, assim, não será exportado em bruto.

Mais uma vez, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, veio concordar com aquilo a que chamou de “projeto inovador”.

Existem muitas dúvidas e muitos argumentos contra a exploração de lítio. Para muitas pessoas, descarbonizar não é apenas trocar os motores de combustão dos automóveis por motores elétricos, quando isso implica continuar a explorar recursos minerais, destruir habitats, arruinar reservas aquíferas.

Mas, enfim. Com a bênção do ministro do Ambiente, o projeto Galp/Northvolt, batizado Aurora, parece destinado a alicerçar-se algures em Portugal.  Ainda não se sabe onde, a ‘joint venture’ está atualmente a realizar estudos técnicos e económicos e a analisar várias localizações possíveis para a unidade em Portugal.

Está também “a explorar as opções adequadas de financiamento no âmbito da transição energética, de modo a reforçar o desenvolvimento do projeto”, segundo foi dito. Quererá isto dizer que é mais um projeto para ser financiado pela “bazuca”? Será o mesmo que dizer que são os contribuintes europeus a financiar o negócio destes privados.

2 COMENTÁRIOS

  1. O lítio é importante para a nossa sociedade assim como o é petróleo que continuará a ser determinante, não só como combustível mas também como recurso base para um sem número de outras aplicações de que a nossa sociedade necessita e não pode prescindir (ex.: fabrico de polímeros, medicamentos, produtos cosméticos, alimentares, etc), assim como outros recursos. A questão é, qual o preço que se está disposto a pagar? E, aqui é que falta o bom senso. Por exemplo, no caso da mineração no Barroso, situação que conheço melhor, estão previstas várias minas a céu aberto, duas delas na margem das maiores reservas de água do Norte do País (Barragens de Alto Rabagão e Venda Nova), as quais alimentam um dos rios mais importantes da região Norte: o Cávado. Faz sentido instalar nesta circunstância uma das indústrias mais poluentes do mundo? Aquela região é Património Agrícola Mundial (das poucas que existe na Europa); a instalação das minas implica perder esta classificação. Assim sendo, como vão sobreviver na região as pessoas que produzem e comercializam os produtos alimentares marca Barroso como batata, fumeiro, vitela, mel etc? Quem vai querer comprar produtos alimentares produzidos numa região “roída” por crateras, águas e poeiras ao vento com elevado risco de conter contaminantes como Chumbo, Arsénio, eventualmente mercúrio e outros metais pesados? Quem vai querer ir passar umas férias nesta região, almoçar ou passar um fim de semana com rebentamentos, camiões a transportar minérios, maquinaria a “rabujar”, etc. Esta indústria comprometerá a sustentabilidade e o futuro de uma comunidade que ainda hoje vive de forma equilibrada, sustentável e onde estão as reservas estratégicas de água do norte de Portugal. Além disso, passados 12 a 15 anos, quando se terminar a mineração, de que vão viver as pessoas?
    A questão da importância do lítio para a descarbonização não é tão pertinente como parece: na Alemanha, um carro elétrico anda 60% a carvão, na Polónia ainda mais e na China de certeza ainda superior. É importante descarbonizar? Então os Países mais poluidores que tomem iniciativa pois são os que têm maior impacto. Faz sentido Portugal acabar com as suas duas últimas centrais termoelétricas a carvão para..descarbonizar (ficando ainda mais exposto à importação) enquanto a Alemanha inaugurou mais uma (em 2020) para juntar às suas..84 Centrais a Carvão? Faz sentido Portugal, um dos Países que menos CO2 (per capita) emite na europa, tomar a dianteira da descarbonização comprometendo a sua economia (dos mais pobres, pagamos a energia elétrica mais cara que a maioria dos países da UE) e sacrificando ( para sempre) as suas regiões e comunidades em prol de uma Europa rica que continua a construir centrais termoelétricas a carvão?
    O caso da empresa inglesa Savannah tem mesmo requintes de ironia: esta empresa, pertencente a um dos Países da Europa que mais poluiu durante todo o século XX e parte do XXI, ao queimar as suas imensas reservas de carvão e assim obter energia a baixíssimo preço, vem agora para Portugal destruir paisagens e comunidades com o argumento de minerar lítio para.. descarbonizar.
    Quem quiser passar por ignorante..

  2. A mais-valia do Lítio estará nas mãos de quem detiver as estações de tratamento e as fábricas do produto final, as baterias. Será que o governo também exige a instalação destas fábricas em Portugal? Há países que pelo facto de terem petróleo nunca enriqueceram!

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