Sandra Felgueiras acaba de se despedir da RTP

Há jornalistas que criam públicos próprios, composto por pessoas que se sentem atraídos pelo seu carisma, pelo tom de voz, pela forma como se expressa ou pela temática que ele aborda. Não há regras definidas para se ter sucesso na pantalha televisiva. Mas quando alguém congrega carisma e telegenia, devia ser protegido pelo canal onde trabalha. A RTP acaba de mandar pela borda fora um desses casos. É o que se chama gerir talento com os pés.

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A RTP extinguiu o Sexta às 9, um programa que nem sempre foi excelente, mas que causava demasiadas dores de cabeça à administração e aos diretores da estação pública.

A irreverência e a insistência em obter respostas sempre foram consideradas insolência pelos pretensos donos-disto-tudo, sejam eles velhos banqueiros, novos ministros ou malandros de meia idade. As pressões para acabar com o incómodo devem ter sido enormes. Sempre foi assim, em casos semelhantes, tanto na RTP como nos canais privados.

O último Sexta às 9 foi para o ar esta noite, 26 de novembro de 2021. A equipa que trabalhou até hoje neste programa tentou fazer da última edição um hino à liberdade de imprensa, um manifesto contra as barreiras à investigação jornalística e uma oportunidade para Sandra Felgueiras sair pela porta grande da empresa onde trabalhou nos últimos 22 anos.

O programa abordou casos concretos e fez um ponto de situação sobre a liberdade de imprensa. Falou, por exemplo, da demolição e alienação ilegais do Quartel da Junqueira que o Ministério da Administração Interna entregou à Câmara Municipal de Lisboa pouco antes das eleições autárquicas. Falou da queda de Portugal nos índices de desempenho democrático. Hoje há mais dificuldade no acesso a documentação oficial e os ministérios e direções gerais recusam respostas a questões colocadas por jornalistas na tentativa de evitar a divulgação dos casos. Quase 50 anos passados da revolução do 25 de abril, permanece a cultura do segredo na gestão pública e nas empresas privadas, tal e qual existiu durante a ditadura salazarista.

Foi um adeus coletivo na derradeira peça jornalística do Sexta às 9, onde participaram todos os redatores e a chefe da equipa a dizer a sua versão do “vou andar por aí”.

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A partir de hoje, os diretores e a administração da RTP vão ter, provavelmente, dias mais descansados, mas a RTP perdeu uma referência e, com isso, é provável que vá perder mais público, até porque parte dos telespetadores do Sexta às 9 irão ver o que Sandra Felgueiras vai fazer na CMTV. E muitos ficarão por lá.

5 COMENTÁRIOS

  1. Terminou o único conteúdo com qualidade nos canais televisivos (todos). A politica e os donos disto tudo destroem aos poucos os ideias da liberdade.
    Restam-nos banalidades, carradas de publicidade, os carreiras, as Ferreira, programas culinários e a mediocridade de debates sobre futebol.
    Restam-nos também como um pesadelo diário que se tornou assombração , o primeiro mais o Sousa,
    Estamos feitos, ou não…desligo para sempre o televisor.Tenho esta certeza.

  2. Pela minha parte, a RTP vai ganhar público, nas “6as à Correio da Manhã”. Já há muito tempo que deixei de assistir ao programa de “investigação”, no qual a atracção era a própria coordenadora, que aparecia em poses cheias de compenetração e esforço, a “investigar”: sublinhar textos com marcador, olhar fixamente para o ecrã do PC, movendo diligentemente o rato, tudo distracções desnecessárias em jornalismo. O estilo das entrevistas, sobretudo com os supostos “culpados” de qualquer coisa, era demasiado MMG (que também deixei de aturar, há muito tempo, ainda na RTP, quando percebi que já “sabia” as respostas das perguntas que lançava). Jornalismo? Onde?

    • está a falar de estilo, do embrulho, e não do conteúdo. os planos que menciona podem ter sido recurso à falta de outros. nem sempre é fácil mostrar em imagens aquilo que se diz no texto da reportagem. fazer reportagem em televisão é difícil, as câmaras dão demasiado nas vistas e intimidam quem anda a fugir com o rabo à seringa.

    • A realidade efectiva das coisas contradiz a sua opinião.Investigações feitas e apresentadas neste programa conduziram a resultados práticos de viragem nos assuntos,para além de fazerem chegar ao conhecimento do público em geral informações que de outra forma não seria possível obterem.Este programa era uma ilha de bom jornalismo,feito com ética e verdade.Era o único programa que eu via na televisão portuguesa-na falta de um question time ou um Andrew Marr show aos Domingos.É malicioso dar uma opinião que se concentra em pormenores superficiais para desdenhar o trabalho fantástico de alguém-tanto mais que esta jornalista teve a coragem de fazer bom jornalismo num ambiente de trabalho adverso a isso.

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